Cacofonia, o vício ganha formas além da fala. Por Alessandra Helena Corrêa

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Cacofonia, o vício ganha formas além da fala. Por Alessandra Helena Corrêa

Hoje, num daqueles momentos de súbita divagação, me veio à mente um fenômeno fonético da nossa língua (e também existente em outras), chamado cacofonia.

Cacofonia é, nomeadamente, um vício de linguagem em que sons, ditos desagradáveis, são gerados quando “unimos” determinadas sílabas resultando nesses efeitos.

Tais “encontros” devem ser evitados, segundo a nossa gramática, para que haja o mínimo possível de ruídos na nossa comunicação. A comunicação precisa ser fluida e nítida.

Alessandra Corrêa *

Ao pensar na cacofonia, sobreveio-me, de forma análoga, as cacofônicas situações geradas pelas nossas associações inadequadas de ideias. São inúmeras as vezes em que nas nossas relações sociais projetamos pareceres, baseados em conclusões concebidas sob a luz e efeito de fatos constituídos em condições e espaços incombináveis.

Cacofônicos! Sim, parece que esse “vício” (é assim que a gramática identifica esse fenômeno), ganhou formas para além da fala, e metamorfoseou-se em atitudes cotidianas da nossa complexa e prolixa sociedade humana.

No entanto, na conjuntura social reportada, os efeitos são ainda mais trágicos que um simples incômodo sonoro – facilmente corrigível.

 

Quando compartilhamos episódios sem nos atermos aos elementos pós e antepostos corremos o grave risco de sermos reprodutores de barbarismos, bem mais cruéis que os anômalos erros linguísticos.

Assim como na língua, é fundamental nos atermos às partes constituintes de um conjunto, evitando más conjugações (não me refiro apenas às verbais).

Da mesma forma que a língua nos proporciona regras e normas para utilizarmos da melhor maneira o nosso idioma, expressando os sentidos desejados na realização concreta da comunicação, falada e escrita, existe também dentro do campo social um sistema, com base em valores morais e éticos, que devem conduzir as nossas ações.

A grande questão é que, assim como na relação com o uso da língua (portuguesa), nós tendemos a tomar as prescrições e princípios condutores do adequado funcionamento das nossas relações coletivas como dispensáveis.

Vícios! É preciso desabilitarmo-nos a esse costume ao qual estamos propensos. E como qualquer vício, em que um mau hábito se apresenta enraizado no indivíduo, é fundamental exercer a prática do cuidado para que esse desvio seja evitado conduzindo-nos de volta para um convívio social harmônico.

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* Alessandra Helena Corrêa, santarena, é graduada em licenciatura plena em Letras (Ufopa). Faz mestrado atualmente em Estudos Literários, Culturais e Interartes na Universidade do Porto, Portugal, onde reside. No Instagram: @alehhelena.

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