
Por problema de última hora, fiquei impossibilitado de chegar no horário à reunião convocada pela Secretaria Municipal de Cultura para uma conversa a respeito da Lei Paulo Gustavo. Meu desejo era estar presente desde o inicio, ouvir as falas da comunidade cultural, do secretário e de seus convidados.
Havia perguntas que gostaria de fazer, mas em respeito a todo o processo que estava em andamento e se encaminhava para os desdobramentos finais, definição dos próximos os para que artistas, produtores e fazedores de cultura em os recursos da Lei Paulo Gustavo, permaneci como observador.
Diferente da maioria dos colegas da comunidade cultural, vejo a discussão sobre a lei como um o posterior. O Sistema Nacional de Cultura, ao qual os sistemas estaduais e municipais estão vinculados, impõe que o Conselho Municipal esteja estabelecido com diretoria eleita e o mínimo de 50% de representação da sociedade civil.
- Leia também de Paulo Cidmil: Prepotência e descaso, a desastrosa política cultural de Santarém.
O nosso está acéfalo, precisa ser renovado, os mandatos estão vencidos, não atende à exigência de no mínimo de 50% para a sociedade civil, porque a presidência é exercida por alguém do poder público com direito a voto de minerva.
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Outra pergunta que gostaria de fazer: por que o Fundo Municipal de Incentivo à Cultura não foi implantado? Quantas vezes o secretário de Cultura formalizou pedido ao prefeito e a Câmara dos Vereadores, argumentando da importância da Lei Municipal de Incentivo à Cultura?
A existência do fundo é basicamente uma decisão política. A lei federal e a municipal não impõem valor ou percentual, e o fundo pode ser efetivado, por exemplo, com 0,001% da arrecadação de um ou mais tributos municipais. A lei federal apenas sugere que o valor seja ampliado progressivamente.
O prefeito tem maioria na Câmara, talvez o assunto Cultura não lhe diga nada. E o secretário parece estar satisfeito.
Digo isso porque vem sendo dito, inclusive por um representante do Estado do Pará, que o ree da Lei Paulo Gustavo deve ser efetuado fundo a fundo. Ou seja, do Fundo Nacional de Cultura ao Fundo Municipal de Incentivo à Cultura. Que até o momento não existe.
Mas a reunião foi extremamente positiva, por demonstrar a firmeza dos agentes culturais em não aceitar imposições. E o advogado Luiz Alberto conseguiu dar um o atrás quando estava prestes a um arroubo autoritário iniciando a frase “eu poderia…”. Ele sabe a lei que elaborou reduzindo a importância do Conselho, lhe dando poderes de imperador.
A voz da sensatez dessa vez veio de Cristina Caetano, sugerindo que ele aceitasse os representantes já eleitos para o Conselho como membros de uma comissão que organizará um seminário sobre a Lei Paulo Gustavo e oitivas para definir o formato dos editais.
Falar de Paulo Gustavo agora, e mesmo em um seminário no dia 11 de abril, pode nos levar a mesma situação que já nos encontramos agora. A Lei Paulo Gustavo não esta regulamentada.
Portaria do MinC, válida desde 16/03 dá prazo de 30 dias para que um GT (Grupo de Trabalho) do MinC finalize documento técnico que irá propor regulamentação, operacionalização e acompanhamento dos rees financeiros.
Esse grupo estabelece diálogo com uma enorme rede: estados, municípios e representantes da comunidade cultural. E ainda temos uma Semana Santa no meio. Fora isso, haverá alguns trâmites até chegar ao diário oficial. A possibilidade de não termos, no dia 11 de abril, as regras definitivas para que sejam discutidos e elaborados os editais, é real.
Questões básicas como os tributos (impostos) podem ser inseridos no orçamento, para que não consumam recursos da produção/execução do projeto? Não sabemos.
Partilha de recursos
Há também, certa inquietação entre a comunidade cultural, ao receber a informação que 70% dos recursos da Paulo Gustavo são destinados a projetos do audiovisual.
Não sabemos se virá segmentado tipo documentários, animação, longa, curta, multimídias, ou obedecendo a seguimentos, tipo LGBTQIA+, Quilombolas, Indígenas, ou tudo isso junto e mais um pouco. Vejo esse formato, que é democrático, muito limitador, impondo uma partilha dos recursos que ao fim todos terão muito pouco, com editais de baixo valor.
Mas é possível que possa haver uma maior liberdade na formatação dos editais. Com indicativos de atender seguimentos sensíveis como LGBTQIA+, Quilombolas e Indígenas.
Toda essa política de incentivo à cultura esta sob o guarda-chuva e a legislação do Sistema de Cultura. Podemos construir editais do audiovisual sob a perspectiva da transversalidade e de multilinguagens.
O audiovisual é a arte completa, todas as linguagens artísticas são complementares e protagonistas nessa arte. Obras de ficção e documentais podem ser produzidas, e são, por um variado grupo de profissionais de diferentes linguagens artísticas.
Poderíamos ter um livro de poemas visuais em animação ou arte digital e mesmo sendo representados por performances artísticas com trilha sonora e elementos cenográficos.
Uma peça teatral, em versão cinematográfica, ser realizada no palco ou ambientada na floresta, praia ou praça. Com trilha sonora produzida em estúdio ou executada ao vivo.
Gravação de espetáculos musicais, lives, registro da memória viva. Musica, Teatro, Literatura, Artes Plásticas, Artesanato, Capoeira podem se valer do audiovisual para expressar seu fazer artístico. Mas antes precisamos das regras do jogo para saber como elaborar os editais e produzir roteiros e as justificativas dos projetos.
Da perspectiva de remuneração, é preciso considerar os valores de referência de cada atividade profissional. E projetos multilinguagens vão exigir editais com valores robustos por envolver um maior numero de profissionais.
Sem dúvida, editais do audiovisual que contemplem a transversalidade e a multilinguagem estarão propondo formato mais instigante do ponto de vista artístico, pois estimulam maior dinâmica e troca de experiências e informações entre artistas, produtores e fazedores de cultura.
Também é visível que caminhamos para um ime conforme aumenta a mobilização da comunidade cultural e não vemos sinais de mudanças na postura do secretário de Cultura. A qualquer momento pode aflorar o seu ímpeto autoritário.
Ele tem dificuldade para entender a diversidade e a complexidade das relações humanas que permeiam a boa gestão cultural. Age pela lógica do controle e não do fomento. Vê as mobilizações culturais pelo viés político. Romantiza o fazer artístico quando deveria reconhecer nele um trabalho de muito suor e elaboração, do qual as pessoas retiram o seu sustendo.
Coloca em dúvida e sob suspeição a capacidade das pessoas em gerir os eventos e seus processos produtivos, foi assim no Çairé, quando foi alvo de uma carta de repúdio da comunidade.
Pessoaliza as causas, dando conotação partidária a movimentos legítimos. Foi assim quando ignorou documento assinado por cerca de 100 pessoas, entre artistas, produtores, intelectuais e entidades que denunciavam a esperteza de um pseudo-cineasta. Posicionou-se dando legitimidade a um oportunista e contador de estórias que se apropriou do Festival de Alter.
“É visível o seu cansaço, secretário”
Secretário, você esta diante de uma situação que exige grandeza. Reconheça a autonomia e legitimidade do Conselho Municipal de Política Cultural como formulador das políticas pública e do Plano Municipal de Cultura. Assim determina a Lei Municipal 20.033/2016. Respaldada nas leis federais. O Conselho é seu parceiro na elaboração das políticas culturais – não adversário.
Reconheça os conselheiros indicados pelos setoriais e dê posse ao novo Conselho. E, sobretudo, reconheça que esse Conselho é uma instância de representação da sociedade civil. Legitime na sua presidência um conselheiro da representação do setor cultural.
Solte as rédeas que tenta impor ao movimento cultural, você não lida com crianças, mas com trabalhadores que buscam o reconhecimento profissional. Não confunda esse banzeiro com marola, pois ele encorpa e se fortalece a cada dia, na medida de suas resistências e imposições.
É visível o seu cansaço, tire umas férias, saia do furacão, se distancie para melhor observar. Delegue poderes, sua equipe tem pessoas qualificadas, do ramo, conhecedora dos problemas do setor cultural, pode conduzir esse processo que lhe causa dor, por você não aceitar que não é o único dono da bola.
Por vir fazendo fortes críticas a sua gestão, sei o quanto é estimado, pois muitos são os que advogam em sua defesa, mas nunca em defesa de sua gestão. Continuarei a criticá-la. O prefeito que tanto lhe estima poderia oferecer-lhe a Procuradoria do Município, por ser um conceituado advogado. Ou o Planejamento, por você ser bom na contenção de gastos.
Os que vão com muita sede ao pote, terminam por se afogar na própria sede. Isso vale para mim, para você e para todos envolvidos nesse processo de reconfiguração das políticas culturais em nossa cidade.
Por Paulo Cidmil. Que é diretor de produção artística e ativista cultural. Santareno, escreve regularmente no portal JC.
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