A atual conjuntura política se transformou numa arena de feroz disputa. Estamos vivenciando o duro desafio de escolher um lado: ficamos do lado da democracia ou regredimos aos anos de chumbo?
Semestre ado, na disciplina Antropologia e Filosofia, do curso de Antropologia da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), ministrada pelo Prof. Florêncio Vaz, tivemos a oportunidade de ler o livro Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal, de Hannah Arendt.
A autora foi uma cientista política do século XX, uma mulher judia que sentiu o gosto amargo de viver na Alemanha do terceiro Reich.
O livro relata a cobertura do julgamento de Eichmann, ex-oficial nazista encarregado da logística e transporte dos judeus para os campos de concentração. Arendt nos traz uma profunda reflexão sobre o conceito da banalidade do mal.
— ARTIGOS RELACIONADOS
Ao analisar Eichmann no decorrer do julgamento, Arendt constata que ele era um homem normal, um burocrata que encarava seu trabalho como uma ação istrativa.
Em sua defesa, alegou que não poderia ser acusado de nenhum crime, pois diante de um regime nazista, tudo o que ele fez poderia ser considerado “atos do Estado”, uma vez que por toda a Alemanha se pregava um discurso de ódio contra os judeus.
Todo o discurso de Eichmann não ava de reprodução de frases de efeitos e clichês, sua incapacidade de falar estava intrinsecamente associada a sua incapacidade de pensar.
Eichmann parecia não fazer uma reflexão sobre a realidade, não possuía capacidade de ter empatia ou pensar sobre as consequências de seus atos. Prestava obediência cega, sendo assim um dos pequenos dentes da engrenagem.
Quando Arendt enfatiza que Eichmann era um homem absolutamente normal, banal, um homem comum, não o defende ou retira a responsabilidade das suas ações, mas procura entender como pessoas comuns são capazes se subverter seus princípios morais causando atrocidades contra milhares de pessoas.
No regime nazista, a ordem moral parecia estar às avessas: era perfeitamente aceitável ass sem culpa, pois não era considerado algo errado. A violência sistemática provocou o colapso moral até mesmo entre as vítimas.
E o que Eichmann tem a ver com o Brasil de hoje?
Diante da atual corrida eleitoral no Brasil, o discurso de ódio se materializa na crescente violência pelo país. O que temos é reflexo da política do medo e do terror disseminada aos quatro ventos pelo candidato Jair Bolsonaro (PSL).
Casos emblemáticos como o da jovem que sofreu violência psicológica e física, tendo em seu corpo gravado uma suástica, símbolo do nazismo, abordada por usar a camiseta do movimento #EleNão (movimento nacional de mulheres que defende a democracia e rechaça tudo que o candidato Jair Bolsonaro representa); e do mestre de capoeira Moa de Katandê, brutalmente assassinado por motivações políticas uma vez ter declarado voto ao candidato opositor Fernando Haddad (PT).
Casos dessa natureza não podem ser vistos como casos isolados. Um levantamento feito pela Publica, Agência de Jornalismo Investigativo, dá conta que foram mais de 70 casos de violência denunciados em todo país no intervalo de 10 dias, o índice se deu de forma mais acentuado no segundo turno das eleições.
Jair Bolsonaro ganha ascensão quando defende veemente a volta da ditadura, assim como, de forma direta e aberta, declara ódio contra LGBTs, mulheres, negros e índios, que são setores da sociedade mais vulneráveis.
Quando Hannah Arendt fala sobre o colapso moral entre as vítimas, podemos compreender como uma parcela de pessoas, que fazem parte desses setores, apoiam esse candidato acreditando numa ruptura da velha política incorporada pelo PT, nem que para isso custe o preço de suas vidas.
O que vemos nessa balança é o peso do fascismo, esse regime de caráter autoritário baseado no culto de um líder.
Embora existam diversos regimes autoritários na história, o fascismo é produto do capitalismo moderno, produzido no interior de suas profundas contradições (concentração dos mercados, crises econômicas internacionais, guerras imperialistas, etc.).
O fascismo se constrói a partir da ideia paranoica de nação, de segurança e intolerância religiosa e/ou étnica. Esses aspectos juntos sustentam a ideia de inimigos da nação que devem ser eliminados.
E dentro dessa categoria de inimigos podemos elencar as feministas, negros, nordestinos, LGBTs, militantes políticos de esquerda etc.
Diante desse quadro, Jair Bolsonaro representa o movimento fascista velado.
A ditadura sempre esteve debruçada nos atos de violência praticada pelas Forças Armadas destinada a população menos favorecida, sempre esteve matando pobres, negros, negando direito aos povos indígenas e ameaçando seus territórios com o desenvolvimento em nome da “ordem e progresso”, empurrando os LGBTs de volta para “os armários” através do preconceito, querendo destinar mulheres de volta para as cozinhas de seu lares, deixando para a população pobre, os restos, disputando feito ratos as regalias, que uma pequena parcela abastada brasileira consome.
Aliado ao fundamentalismo cristão e a elite brasileira, Jair Bolsonaro se torna um portador da construção de um nacionalismo manchado de sangue.
Seus eleitores são reflexos de sua total incapacidade de articular um projeto de governo que promova de fato um anseio por uma unidade nacional.
Pra quem diz que precisa acabar com o ativismo, sua fala vai na contramão de qualquer unidade, só deixa claro sua contradição e incapacidade de pensar para além de seu moralismo.
Sua recusa em participar dos debates e defender suas propostas publicamente cristaliza a inconsistência de seu projeto político, contrasta bem com o grupo que o segue, seus eleitores, reproduzindo clichês sem grandes fundamentos e disseminando notícias falsas.
Nesse sentido, a “banalidade do mal”, de Hannah Arendt traz grandes contribuições teóricas para esta análise.
O mal está presente no cotidiano, e ainda que insistamos em dizer que o outro que é mal, o outro que pratica o mal, Arendt demonstra que esse outro é também um eu capaz de fazer as mesmas coisas. Porém, o que nos diferencia desse outro é a capacidade de pensar.
Para Arendt, pensar é um dos principais exercícios que devemos fazer. O indivíduo que consegue refletir consigo mesmo e organizar suas ideias é diferente daquele que apenas cumpre ordens.
Eichmann era esse tipo de pessoa, incapaz de refletir consigo mesmo. Incapaz de assumir a sua parcela de culpa no extermínio dos judeus porque foi incapaz de refletir criticamente sobre suas atitudes.
Ele tinha sim cometido um crime contra a humanidade, mas não porque era louco, mas por ser incapaz de pensar sozinho.
Quantas pessoas conhecemos assim? Quantas atitudes cruéis atribuímos aos outros quando na verdade poderíamos ter cometido as mesmas coisas? Por que classificar como loucos todos que praticam e banalizam o mal?
Temos inúmeros exemplos no Brasil e no mundo de sociedades que também cometeram crimes bárbaros contra a humanidade, como o genocídio de povos indígenas, a escravidão de negros, a perseguição aos LGBTs etc.
Eichmann, Jair Bolsonaro e seus seguidores são um bom exemplo para o tipo de pessoas que não devemos ser, pois se perdemos ou se não praticarmos a reflexão crítica de nossas próprias atitudes, ajudaremos a fortalecer sociedades intolerantes, racistas e homofóbicas.
Pensar sobre isso é também um exercício importante que fica da leitura de “um relato sobre banalidade do mal”.
— * São estudantes do curso de Antropologia da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa)
Leia também:
Datafolha mostra queda de Bolsonaro, para 56%, e subida de Haddad, para 44%
vamos colocar um retoquezinho aí ….. o caso da suastica foi uma fake news…..
mas de tanto filosofar morreu o burro ! como diria minha avó Laurita, pouco escolarizada, mas um poço de sabedoria….
como diria o Jack Estripador vamos por partes : 1. O Coiso é um subproduto do Pt por ter optado por um projeto de poder e não de sociedade 2. O PT traiu a classe trabalhadora. 3. Subestimou a capacidade do Coiso em capitalizar o sentimento de aversão pelo PT das classes médias baixas. 4. Ficou brincando de gato e rato com a definição da candidatura de lula versus hadadd 4. Não soube costurar ou sistematizar uma frente ampla contra a extrema direita. o resultado está aí…pode até virar o jogo mas que tá dificil tá!
As pessoas no Brasil estão ficando loucas! Banalizam um dos regimes mais sanguinários que já existiram, tentando linkar com o momento atual ao qual amos.
Comparo esse chilique com os dos eleitores de Bolsonaro, que temem a venezuelização do Brasil.
De igual modo, aos que temem a volta da ditadura, é de uma insensatez desmedida!
Lembremos que existe alguma filtros que podem evitar qualquer tipo de desgoverno, tanto de Haddad quanto de Bolsonaro.
1) Congresso; e
2) O Impeachment na Constituição,
Deixemos que criar fantasmas que não devem ter crédito em nossa democracia, que apesar de ser nova, ela já está bem sólida.
Vamos nos despir do extremismo, tanto de uma parte quanto da outra, vencendo qualquer um dos dois, continuamos a viver no Brasil e temos que torcer por um bom governo de qualquer um dos dois candidatos,
Não devemos perder a esperança de que o outro dia sempre vai ser melhor do que o dia presente.
Debate muito importante. Mais do que nunca os tempos políticos exigem uma reflexão profunda da história. Ditadura Nunca Mais!!!
Parabéns, meninas. Belo texto, enriquecedor e com riqueza de lucidez. Nesse caos que a corrida presidencial criou em todo país, nada melhor do que ler um texto bem esxrito e esclarecedor.
Parabéns as duas universitárias pelo artigo primoroso e oportuno — com linkagens no ado e presente, para a reflexão de um cenário futuro. A escolha de Arendt como embasamento teórico da narrativa foi muito feliz. Numa só palavra, irretocável.
Cara essas meninas deram viajada legal o texto parece interessante, porem nosso sociedade mudou o vínculo social está mais próximo com uso das mídias sociais, acho regime autoritário no Brasil não vingora pois povo vai ruas como foi caso PT o Jair representante o que Lula representou no primeiro ano em que foi eleito. Prefiro voto Jair do que deixa o meu Brasil nas mãos de corruptos.
Sem noção!