As facetas de Bento reveladas no WhatsApp. Por Silvan Cardoso

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As facetas de Bento reveladas pelo WhatsApp. Por Silvan Cardoso

Bento resolveu criar um grupo no WhatsApp. Morava em outra cidade, distante de sua terra natal, e a criação daquele grupo era uma forma de aproximar seus conterrâneos e poder rever amizades, mesmo virtualmente, fazer novas amizades, além de recordar as histórias construídas na juventude de cada pessoa ali presente.

O grupo tornou-se uma ideia próspera. O número de participantes foi crescendo e, a princípio, foi se tornando um ambiente saudável. Eram frequentes saudações, felicitações sendo desejadas e forças sendo transmitidas. E quando chegava a festividade do padroeiro da terra natal dos participantes do grupo, combinavam quando e onde se encontrariam. Era o grupo perfeito para amizades. Amizade? Perfeito?

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Bento era um presente. Saudava a todos os novos participantes, colocava belas mensagens no grupo dedicando a todos os presentes. Impossível não recomendar a outros amigos e conterrâneos. Tinha ares de segundo lar. Era como um coração de mãe. Queria-se acreditar que nesse espaço virtual haveria respeito. E assim se aceitou com o ar do tempo.

De repente, assuntos políticos aram a rondar pelo grupo. Foram sendo colocados aos poucos. Não que política não seja coisa ruim. Nunca foi e nunca será. Mas o que seria política no entendimento de cada brasileiro, homem, mulher, rico, pobre, branco e preto? Opiniões políticas foram sendo tratadas no espaço uma hora ou outra. E como os assuntos eram do agrado de Bento, ele os aceitava e elogiava quem lá colocava. Em grande parte do tempo, falava-se de amizade e respeito. Em outras partes, tratava-se de assuntos políticos.

Certo dia, um participante resolveu colocar sua opinião política no grupo também. Tal opinião contradizia o pensamento de Bento. Quando o viu o que foi colocado de texto no grupo, imediatamente reagiu. Reagiu negativamente. Aparentemente, parecia ter se sentido ofendido com a dita opinião, que, pelo que se via, era uma crítica a uma autoridade política. A sua reação foi inesperada.

Como o comentário era contrário ao de Bento, ele poderia sim questionar a pessoa que lá expôs seu pensamento, mas de forma respeitosa. Deveria ser um diálogo que se tornaria complemento na vida de cada um, fortalecendo o pensamento crítico de ambos. Mas não. Bento ou a chamá-lo de “sem noção”, de “comunista”, de “esquerdopata”. E o clima de amizade rapidamente desapareceu. O participante, percebendo a alteração do , ou a provocá-lo com outras respostas. Bento não economizou palavras ofensivas.

Outros participantes do grupo começaram a reagir. Surgiu então uma divisão. E a notável união transformou-se em direita e esquerda. Compartilhavam links, prints e textos que tratavam de personagens e acontecimentos da política brasileira. Quando alguns discordavam do que era publicado, questionavam, sempre de forma ofensiva. Usavam de forma maldosa certos adjetivos contra o que tivesse opinião diferente. Ao invés de serem adversários políticos, mostravam-se inimigos mesmo. Atacavam verbalmente sem se importar se feriam ou não as outras pessoas. Era uma vez, um grupo de amizade…

Bento não se importava em tratar mal as pessoas publicamente. Rebaixar outros era pra ele prazeroso. E quando alguém tinha pensamento distinto, o prazer se transformava em ódio. Falava de democracia, mas somente a opinião dele era a certa. Falava de grupo de amizade, mas gostava de alimentar brigas com quem não o agradava pela forma como os outros se expressavam. Tudo isso para não deixar que os outros falem mal do político que ele ira – ou seria do político que ele adora?

Alguns membros do grupo aram a discutir. Outros, se decepcionavam com o seu comportamento desrespeitoso. Outros o apoiavam. Muitos se retiravam do grupo. O grupo perdeu sua essência. Ou ganhou uma nova roupagem? Bento, morador de uma grande capital brasileira, sentou em sua banca do jogo do bicho e de lá fazia questão de engrandecer seu político amado e debater e xingar quem apoiava políticos da oposição.

<strong>Silvan Cardoso</strong>
Silvan Cardoso

É poeta, cronista e pedagogo. Escreve regularmente no BJ.


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