
Foi com perplexidade que li a notícia de ação movida pelo Ministério Público solicitando a interdição da Feira da Candilha em nome “dos valores fundamentais da coletividade, quais sejam, o direito a saúde e a dignidade da pessoa humana”. 3o3l3e
Os argumentos são muitos, discordo de quase todos, mas não vou argumentar contra laudos técnicos que certamente estão anexados ao pedido encaminhado à Justiça pelo promotor Ramon Furtado.
Há seis anos frequento semanalmente a Candilha onde compro farinhas, frutas, legumes, verduras e utilizo serviços de informática. Nesse período, presenciei diversas melhorias como limpeza, novo teto, segurança, não há presença de animais.
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Como é um espaço aberto, com imensa área aos fundos e diversas saídas para a Rui Barbosa, um sinistro de grandes proporções, com vítimas, é pouco provável, em caso de incêndio ou pânico. Também é um local sem histórico de violência ou tumulto.
É louvável o zelo do promotor Ramon Furtado e a liminar deferida pelo juiz Claytoney os Ferreira. Me pergunto se já estiveram no Mercado Municipal, no Mercado Modelo, no Mercadão 2000 e adjacências, nas feiras da Rodagem e da Prainha. Hoje, até no novo bairro Vista Alegre do Juá existe uma feira popular.
Meu estranhamento não é o excesso de zelo com a saúde e segurança da população, mas com as penalidades a serem impostas aos infratores. Por que essa espada de um milhão de reais sobre a cabeça de dona Maria da Conceição Moraes? Ela teria a mesma capacidade financeira que o Município de Santarém?
E esse fechamento por 120 dias. Seria a Candilha mais insalubre que outros logradouros populares? Ela estaria desabando? Não poderia funcionar enquanto se providencia novos ajustes? Não seria possível fechar apenas os estabelecimentos em situação crítica? O que será de 32 famílias, algumas com 30 anos de trabalho no local? 120 dias é decreto de falência para os pequenos empreendimentos existentes na Candilha.
Desconheço o processo de 200 páginas. Na matéria jornalística, há a citação pela promotoria de laudos técnicos de engenharia e, pelo que podemos deduzir, o sanitário. Mas salta aos olhos a ausência de um relatório de impacto social sobre os feirantes, seus colaboradores e os usuários dos serviços oferecidos pela feira.
Esse local é uma área de convergência, um dos pontos nevrálgicos da cidade. Onde o promotor acha que se alimentam os trabalhadores de todo o comércio popular no entorno da Candilha e adjacências? E onde vêm vender seus produtos e também se alimentam os moradores do Planalto Santareno? A Candilha, além de mercado popular, é um ponto de referência por onde a todo o transporte público da cidade.
É também um local histórico. Nesse terreno e perímetro da Rui Barbosa foi onde se organizou grandes manifestações para reconduzir ao cargo o prefeito Elias Ribeiro Pinto, deposto por um golpe dado pelas oligarquias locais com o apoio do regime militar.
Era para onde convergiam milhares de pessoas do planalto, da várzea e da cidade. Culminando em manifestação com mais de quatro mil pessoas marchando em direção à prefeitura. Terminou em tragédia, com o assassinato de quatro manifestantes pela Polícia Militar.
Foi o primeiro episódio. Meses depois, com o assassinato do prefeito empossado pela Câmara, resultou no decreto de área de segurança nacional e 19 anos sem eleições para prefeito. Quis o destino e os herdeiros da familia do senhor Moraes que esse local se tornasse um espaço de grande confluência e comércio popular. Ponto de parada de colonos, caboclos e moradores da periferia, quando vêm ao centro da cidade.
A feira da Candilha é de interesse coletivo e sobretudo público. Esse perímetro urbano até os mercados municipais predomina o comércio popular, em que a feira da Candilha cumpre papel importante na oferta de produtos e serviços complementares na dinâmica econômica dessa grande área comercial. O fechamento da Candilha não afeta apenas seus trabalhadores e os pequenos negócios nela existentes. Afetará o fluxo comercial de todo o entorno.
Seria providencial se o promotor e juízo sugerissem multa de um milhão de reais para cada espaço ou serviço negligenciado pela istração pública municipal. Praças, mercados, posto de saúde, escolas sem manutenção. Hospital municipal não, esse a multa poderia ser de 10 milhões. Mais 10 milhões pela não entrega do materno infantil.
Na liminar deferida pela Justiça em favor de ação movida pelo MP, assinada pelo promotor Ramon Furtado, os únicos que irão soltar fogos de artifício serão os especuladores do mercado imobiliário, há anos com olhos gordos sobre esse espaço.
Ao município cabe não apenas fiscalizar, mas intervir. O prefeito Nélio Aguiar tem diante de si não um problema, mas uma oportunidade de ouro para realizar ao que me parece ser seu único sonho de estímulo ao empreendedor da economia popular. Enterre de vez o tempo dos puxadinhos e a ideia de um camelódromo em local inadequada.
Adquira esse espaço em nome do interesse público e nele edifique um moderno e bem aparelhado centro de comércio popular. Local com ônibus na porta e espaço para abrigar os comerciantes da feira e os ambulantes do centro da cidade. São negócios que podem se complementar, ninguém vende redes na Candilha. Faça algo digno de uma cidade que olha para o futuro.
Proponha às empresas de arquitetura um concurso para escolher o projeto mais adequado, que expresse nossa identidade regional e venha contribuir para elevar a autoestima de nosso povo. Eu sei que pode estar rindo de minhas sugestões, pensando: esse cara só não diz de onde vem o dinheiro.
Mas o senhor é o mais hábil e astuto político de nossa cidade, é cabrito que não berra. Quando o esperto vem com o fubá, o senhor já comeu o mingau. Outro dia lhe vi trocando afagos com o presidente Lula. Se o senhor não fosse médico e político, seria equilibrista, desses que fazem malabares em cima de um monociclo deslizando em um arame a cinco metros de altura.
Bata à porta do Ministério das cidades, do BNDES, do governador do estado vizinho que tem lhe feito engolir alguns sapos indigestos. Não lave as mãos para esse drama que se anuncia, e cujas vítimas serão os trabalhadores e os perdedores os munícipes usuários da Candilha.
Não permita a judicialização de algo que pode ter solução com sua intervenção. Há um longo histórico de aquisição de bens por interesse público. Avivo sua memória e cito o terreno onde hoje está o residencial Salvação, adquirido, à época, a preço compatível com os praticados pelo mercado, pelo governo que o senhor fez parte.
Expresso aqui minha sincera e democrática discordância do pedido de interdição e da cautelar deferida pela Justiça. Não há nenhuma intenção de estimular desobediência judicial e muito menos afrontar o Ministério Público, instituição que tem sido de grande importância na defesa dos direitos coletivos e de minorias. Ai de nós não fosse o Ministério Público! Mas sabemos que todo campo de trigo tem o seu Dallagnol.
O distanciamento da vida real vivida pelos trabalhadores nos leva a viver em bolhas, por vezes mais abastadas, que dificultam a compreensão, a empatia, a identificação e a solidariedade. É momento para entidades, movimentos sociais e o cidadão santareno virem realizar uma visita à Candilha e constatar se cabe decisão tão drástica como a determinada pela Justiça.
Aproveito para recomendar aos leitores desse texto, a compra de frutas e verduras saudáveis na barraca de dona Vera, apenas frutas na dona Cenita, farinhas variadas e da melhor qualidade, manuseadas com zelo de promotor, na barraca da Preta, e serviços de digitalização, que em uma emergência pode lhe salvar, na ArtCopy, que fica a caminho dos banheiros.
Paulo Cidmil 1g4f2c
Diretor de produção artística e ativista cultural. Santareno, escreve regularmente no portal JC. Ele pode ser visto no…
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