O juridiquês e ânsia por holofotes na cultura. Por Paulo Cidmil

Publicado em por em Opinião, Santarém

O juridiquês e ânsia por holofotes na cultura. Por Paulo Cidmil
As duas leis mais recentes no país de fomento à cultura. Arte: Reprodução

Nova inquietação se instaura no seio da comunidade cultural motivada por editais draconianos e formulados de forma que possa parecer tendenciosa. Mas não custa lembrar que esses editais, sob o comando da Secretaria de Cultura de Santarém e assessoria do Jurídico Municipal, contou com participação ativa do Conselho Municipal de Cultura.

Ocorreu até convocação de especialista em fracassos, com larga experiência na Lei Aldir Blanc I. Ocasião que o Município apresentou edital de mil reais e devolveu 240 mil aos cofres federais.

Não apresentei e nem irei apresentar projeto aos editais da Paulo Gustavo, caso sejam reeditados.  Inscrevi-me no edital para parecerista. Pelas regras estabelecidas, não fui selecionado.

Esse fato levou-me a analisar os editais de parecerista e do audiovisual. Imagino que o edital que abrange outras áreas siga os padrões do edital do audiovisual. Ambos são íveis de críticas, tecnicamente estão bem formulados, ocorre que a forma não exime o conteúdo excludente.

Como a LPG (Lei Paulo Gustavo) é um programa nacional, procurei me informar sobre editais de outras cidades e estados.  Cidades maiores ou com igual densidade demográfica e com a mesma ou maior expressão cultural.

Não irei me estender avaliando o edital para parecerista, mas é evidente que privilegia na pontuação candidatos com currículo acadêmico, também introduz um critério de avaliação que considera a experiência como parecerista nos últimos cinco anos. Se considerar os dois anos e meio de pandemia, apenas quem participou como parecerista da Aldir Blanc I é que estaria pontuando nesse quesito.

Leia também de Paulo Cidmil: Soltem as rédeas do movimento cultural.

Observando editais para parecerista de outras cidades, esses são critérios irrelevantes ou ausentes. Em todos os editais, o principal critério é que seja um profissional da área artística e cultural, com trabalhos comprovadamente realizados nos últimos 10 anos ou mais.

Um critério presente em outros e ausente em nosso edital é a exigência que a formação acadêmica como graduação, especialização, mestrado e doutorado seja na área específica das artes. Exceto música, são cursos inexistentes aqui. Pontuar com outra titulação, mesmo que de Humanas, não me parece correto com concorrentes vindos da área artística e cultural, que é o principal critério de seleção em todos os editais.

Outro critério ausente em nosso edital e presente em todos os editais consultados é a obrigatoriedade de conhecer planilhas de custo e os preços médios de cachês e serviços que são praticados no mercado.

Como haverá uma comissão de seleção denominada de avaliadores, imagino que ela deve avaliar o mérito cultural, a relevância e abrangência do projeto e se os custos apresentados são exequíveis. Pelo visto nossos pareceristas devem apenas conferir preenchimento de formulário e a documentação dos proponentes.

O edital do Audiovisual sofre da síndrome do copia e cola. Parece ser uma vingança do juridiquês, repetem as leis à exaustão, é extenso e cansativo e, sobretudo, é excludente e seletivo, o que leva a pensar que pretende atender a poucos fazedores de cultura, privilegiando proponentes que se inscrevem como pessoa jurídica.

São R$1.212.701.00 para a realização de filmes. R$760.000,00 disponibilizados apenas a proponentes pessoas jurídicas e R$452.701,00 para o de proponentes pessoas físicas.  Editais precisam observar as realidades locais. A grande maioria dos proponentes só podem se inscrever como pessoa física. E poucos são os que atuam como pessoa jurídica, em condições de atender as exigências do edital.

Essa é uma atividade em desenvolvimento, temos um mercado em formação. O edital não estimula o desenvolvimento do setor e não cumpre com uma das metas da Lei Paulo Gustavo e do Plano Nacional de Cultura: a democratização do o aos recursos de incentivo à produção.

Os formuladores do edital devem desconhecer a realidade dos custos de produção do setor audiovisual. O maior prêmio oferecido é de R$70.750,00 É um valor extremamente baixo para uma produção cinematográfica.

Um realizador, mesmo iniciante, pode apresentar projeto como pessoa física, no valor acima, a qualquer lei de incentivo. Talvez tenha sido o dedo do juridiquês. É bem mais seguro firmar contrato, cobrar e acionar juridicamente a pessoa jurídica. No Brasil há a cultura da suspeição: nós suspeitamos dos agentes públicos e eles suspeitam de todo e qualquer cidadão, exceto dos amigos.

Há também os recursos destinados à infraestrutura e exibição da produção cinematográfica, R$277.195,00 para a inscrição de Pessoas Jurídicas e R$95.000,00 para formação e qualificação profissional, sendo a inscrição para Pessoas Físicas.

Não há problema em direcionar o prêmio destinado à infraestrutura e exibição às pessoas jurídicas. Pelo objetivo do prêmio esse é o caminho natural, até porque os coletivos e grupos culturais podem ar esse edital. Mas aos coletivos, o emaranhado de exigências é insano, só faltou pedir declaração do arcebispo.

Um grande acerto do edital é a descentralização dos cursos de formação e qualificação e sua realização nas nove grandes áreas comunitárias fora do perímetro urbano.

Outro critério confuso é a premiação por cotas. Ele Introduz o sistema “SE” de premiação. Se a cota A não for preenchida a a valer para cota B, se B não for preenchida valerá para C. Acho que pretendem contribuir para o famoso jeitinho brasileiro. Logo haverá proponente caçando os beneficiários das cotas para incorporar à empresa.

Esse assunto é extenso e pode motivar centenas de artigos, teses e livros. Não vou entrar nessa discussão. Digo que sou a favor de cotas nas universidades públicas, a favor das demarcações dos territórios indígenas e quilombolas, a favor do direito de igualdade salarial das mulheres, a favor dos direitos civis da comunidade LGBTQIA+, a favor de políticas compensatórias e de distribuição de renda.

A arte é outro território, é um fazer solitário, intuitivo, de grande sensibilidade e esforço pessoal. A excelência artística é uma conquista pessoal, estimulada pelo ambiente, mas nunca produto dos bancos acadêmicos. Como também não é uma questão étnica, de raça, gênero ou sexualidade.

Penso que cursos de formação e qualificação devem ser contínuos. Que escolas técnicas e comunitárias de formação artística, públicas e privadas, devam ser subsidiadas com recursos públicos.

Temas caros a inclusão e cidadania poderiam ser contemplados com editais temáticos como História e Cultura Afro Brasileira, História e Cultura Indígena, A Realidade e Lutas da População LGBTQIA+, etc. Todos poderiam concorrer, todos na inscrição declarariam sua identificação,  em caso de empate, venceriam os que tem pertencimento e identidade com o tema.

Trabalhei de 1997 a 2017 elaborando e gerindo projetos aprovados e com captação de recursos através da Lei Rouanet. Estive presente nos principais encontros e seminários que discutiram o seu aperfeiçoamento e descentralização. Lei que serviu de modelo para as leis estaduais de incentivo à Cultura. E em alguns pontos específicos serve de modelo a LPG e Aldir Blanc.

Renuncia Fiscal, Programas de Incentivo ao desenvolvimento artístico e Cultural como a LPG e Aldir Blanc, possuem metas, os recursos precisam ser ados, devem chegar aos artistas e produtores. A não realização de seu objetivo significa dizer que o programa não é necessário. Que esses recursos poderiam esta sendo aplicados em outras áreas. É o que dirão parlamentares “mui amigos” da cultura.

Excesso de burocracia dificulta o o, um mar de exigências estreita a porta de entrada, fulminando com um dos principais objetos do programa: a distribuição dos recursos de forma ampla e democrática para artistas e produtores de cultura. E torna o o privilégio de poucos, os já consolidados e com maior estrutura no mercado.

Simplificar os processos de o para ampliar e democratizar a participação. Tornar os mecanismos de controle da prestação de contas mais rígidos e transparentes, esse foi o caminho realizado pela Lei Rouanet para ampliar o o da comunidade cultural a partir do inicio dos anos 2000. Esse pode ser um bom caminho para a Aldir Blanc II, simplificar o o e ter maior controle e rigor com a prestação de contas.

Quando se deveria trabalhar para construir um ambiente produtivo, identificar os problemas olhando para frente, pensando em Aldir Blanc II que é anual, dialogar com a Secretaria para termos efetivado o Fundo Municipal de Incentivo à Cultura. Deixar que o Secretário aprenda com seus erros e se necessário reedite os editais.

Pensar o que levaremos como reivindicação regional para o Encontro Nacional. Não são apenas os artistas e produtores de Santarém que tem problemas com os editais. Mas não, Nada disso esta em pauta.

Temos uns personagens ensandecidos fazendo nota de repúdio em nome do “Setorial do Audiovisual” e “Fazedores de Cultura”, contra o Secretário. O cara esta há dois meses na cadeira herdou equipe, virtudes e vícios (pelo que vejo no edital, mais vícios) da gestão anterior e a responsabilidade de elaborar em curto prazo os Editais da LPG. Sou parte dos Fazedores de Cultura mas não assino essa sandice.

 A ânsia por protagonismo e holofotes leva pessoas a manifestações desonestas e patéticas. Afirmar que o edital do Audiovisual poderá fracassar por excesso de exigências e vir a devolver recursos, é falso. A  Lei Paulo Gustavo teve seu prazo de execução prorrogado até o final de 2024. Há tempo para editais serem revistos e reapresentados em caso de baixo o dos atuais.

Dizer em nota que a Secretaria de Cultura não atendeu a solicitações e recomendações do Conselho de Cultura é uma falácia para arregimentar rebanho. A Comunidade Cultural não é otária. O Conselho participou da formulação dos editais. Também seria correto dizer, das muitas sugestões apresentadas pelo Conselho e acatadas pela Secretaria na formulação dos editais.

Leia ainda de Paulo Cidmil: Protagonismo amazônida.

Mas opta-se pela covardia, adjetivando-se o Secretário de Pixica II, Secretário da Sinfônica, e, correndo nas redes, a alcunha de Bolsonarista. Enorme desrespeito com a Sinfônica que realiza trabalho artístico de excelência e de grande relevância na formação de profissionais da música. Devem estar com saudades de advogados na pasta.

Há um mote maniqueísta cuja palavra chave é bolsonarista! e outro que traduz rejeição a um Partido que nos responde Lula é Ladrão!. Estou fora dessa discussão estéril. Como disse o poeta Torquato Neto, “Só quero saber do que pode dar certo…” Meu tempo é curto e precioso.

Aos que caminham com a arte e cultura eu alerto: Quando você ouvir a ladainha “nós e eles”, quando lhe disserem “não podemos botar em risco o movimento”. Você poderá estar sendo abduzido pelo conjunto desafinado “Os Picuinhas”. Eles desagregam em nome do movimento, escolhem as pessoas certas em nome do movimento, sabotam quem na sua imaginação ameaça o movimento. E o movimento é em causa própria.

Os Picuinhas tão deitando e rolando, jogando nas 12, ando tudo e querendo mais, se julgam donos do palco. E eu, aqui vendo tudo, resolvi sentar na cadeira do VAR.

Paulo Cidmil

Diretor de produção artística e ativista cultural. Santareno, escreve regularmente no portal JC. Ele pode ser visto no…

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