Da deep web para redes sociais: como crianças e adolescentes alimentam o ódio. Por Clayton Santos

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Da deep web para redes sociais: como crianças e adolescentes alimentam o ódio. Por Clayton Santos
"Há a necessidade de monitoramento do discurso de ódio na internet", afirma Clayton Santos. Foto: Reprodução

As redes anônimas são destinadas ao uso de ativistas políticos e de jornalistas sob censura, mas suas características acabam atraindo pessoas interessadas em abrigar conteúdo questionável, macabro e ilegal, incluindo a pornografia infantil.

Afinal, o que é “Deep Web”?

Atualmente, há quem use o termo “Deep Web” para se referir a conteúdos anônimos ou ilegais na Internet. Mas “Deep Web” (“Web profunda”, em tradução livre) não é necessariamente um local onde existe apenas conteúdo criminoso.

Estão na “Deep Web”, por exemplo, bancos de dados de agências espaciais, processos em tramitação em tribunais, dados de mapas, impostos e documentos em institutos de governo, entre outros conteúdos que não são encontrados em uma simples busca.

Ela não poder ser ada como um site normal, digitando o endereço em um navegador comum. Para á-la, existem programas próprios. O mais popular é chamado “Tor”. Isso é para garantir o anonimato do responsável pelo site e todos os visitantes. Também é nessas redes que muitos criminosos se comunicam e que hackers colocam à venda os pacotes de vazamentos de dados com informações extraídas de sites e empresas invadidas.

Da “Deep Web” para as “Redes Sociais”

A maior disseminação de conteúdo extremista nas redes sociais e em fóruns secretos da internet é um dos fatores apontados por especialistas para o aumento de ataques em escolas brasileiras. Isso pode ter influenciado no caso da creche Cantinho Bom Pastor, em Blumenau (SC), invadida por um homem que matou quatro crianças (05/04/2023), e pesou no atentado à Escola Estadual Thomazia Montoro, na Vila Sônia, em São Paulo (27/03/2023).

No Twitter, o adolescente usava uma conta que faz referência a um dos atiradores que mataram sete pessoas em uma escola de Suzano, na Grande São Paulo, em 2019. Algumas de suas publicações na rede social mencionavam uma hashtag com a qual internautas compartilham conteúdos extremistas e que fazem a exaltação de criminosos. Essa e outras hashtags impulsionam o discurso de ódio entre jovens nas redes sociais e em fóruns de jogos.

Letícia Oliveira, pesquisadora que há 11 anos monitora a atividade de células neonazistas na internet, afirma:

— Existe uma comunidade que cultua atiradores em massa, e isso está bem forte aqui no Brasil, está piorando. A propaganda toda desse grupo acontece por meio de hashtags, em uma bolha. Mas quando acontece um atentado desses, como o de São Paulo, eles furam a bolha e o conteúdo viraliza. Esse grupo tem interseções com outras comunidades que incentivam automutilação ou transtornos alimentares, por exemplo, são bolhas adolescentes que acabam levando a um caminho para a radicalização.

A existência desses conteúdos na superfície da internet inverte a lógica dominante até pouco tempo de que a incitação a crimes e o discurso de ódio estavam segregados à “Deep Web”, ível apenas com o uso de softwares específicos.

O caminho para a radicalização

Pesquisadores identificaram que o perfil majoritário dos jovens cooptados por grupos extremistas na internet é de meninos, brancos e heterossexuais, na maioria das vezes com dificuldades de socialização.

Os jovens podem ser atraídos para essas células a partir de vídeos sobre jogos, por exemplo. Ao visualizar um conteúdo sobre o tema, a plataforma a a sugerir outros relacionados, até que o internauta acabe eventualmente se deparando com um criador de conteúdo que fale sobre jogos ao mesmo tempo em que destila comentários misóginos.

O adolescente, nesse caso hipotético, é levado a considerar esse discurso aceitável, e a consumir cada vez mais conteúdos parecidos. Até que ele desce para uma segunda camada: a dos fóruns privados em aplicativos como o Discord ou o Telegram.

As escolas podem contribuir no combate ao extremismo entre os jovens não apenas identificando comportamentos que ensejem atenção, mas também discutindo aquilo que dá origem à revolta dos estudantes. Importante frisar que, não se pode jogar na escola a responsabilidade de resolver crimes de ódio, isso precisa ser combatido pelo Estado, com políticas públicas.

O papel da escola é pensar o que alimenta esse extremismo, geralmente associado a um ódio contra a diversidade. A escola deve trazer esses temas para a sala de aula, isso precisa fazer parte da formação da nossa sociedade. A escola é parte do problema e parte da solução.

Ainda segundo Letícia Oliveira:

— Esses grupos normalmente cooptam jovens com discurso misógino, eles mobilizam as frustrações dos adolescentes, que muitas vezes têm ou tiveram problemas amorosos. Esse menino entra num grupo porque ‘tomou um fora’ e recebe acolhimento. Ali ele tem contato com discursos que incentivam o ódio contra mulheres, e partem para o racismo, para a revolta contra outras minorias, são mobilizados pelo medo e pela raiva. Com esse discurso martelado na cabeça, acaba se radicalizando. É um ciclo vicioso.

Assim como o caminho para a radicalização pode se abrir a partir de um vídeo postado na internet, também pode acontecer de o discurso de ódio chegar a crianças e adolescentes por meio dos chats existentes nas plataformas de jogos.

Isso foi identificado entre gamers que jogam Fortnite e Roblox, por exemplo. O Xbox do autor do ataque em São Paulo foi apreendido pela polícia, que tentará identificar suas interações a partir do console para descobrir se alguém teria incentivado o ato por meio desses canais.

Como prevenir tais ameaças?

Quando um ataque violento a uma escola acontece, aumenta a probabilidade de ataques semelhantes se repetirem, o que é chamado por especialistas de “efeito contágio”. Isso se intensifica ainda mais quando a mídia publica imagens do agressor ou cenas do atentado, potencializando o efeito contágio para outros que estão sendo radicalizados. Eles se sentem mobilizados a cometer atentados que já estavam planejando.

Para isso, há a necessidade de monitoramento do discurso de ódio na internet; realização de campanhas de conscientização e promoção da cultura de paz, assim como a condenação social sobre ataques nas escolas; processos de formação nas escolas sobre o risco de ataques e prevenção a eles; além de protocolos para lidar com ataques e para evitá-los.

Clayton Santos

Professor universitário. É mestre em informática (Universidade Federal do Amazonas) e doutorando em ciências ambientais (Universidade Federal do Oeste do Pará). Trabalha atualmente no campus da Ufopa em Oriximiná, oeste do PA.

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