
por Chico Cavalcante (*)
A atenção da imprensa internacional se voltou para o crescimento da extrema-direita nas últimas eleições da Alemanha. O foco é o crescimento da “Alternativa para a Alemanha” (AfD), que teve uma votação muito acima do esperado e ficou em segundo lugar, logo atrás da democracia cristã (CDU).
Na antiga Alemanha Oriental, a extrema-direita foi a mais votada, exceto em Berlim, onde o Die Linke (A Esquerda) se destacou no leste enquanto a CDU prevaleceu no oeste. Essa ascensão da extrema-direita amplia a crise de horizontes da esquerda, tanto na Europa quanto nas Américas. No Brasil, o bolsonarismo ainda influencia as conversas do dia a dia, e a esquerda precisa se reinventar para reconquistar a confiança dos trabalhadores e ampliar sua base.
A experiência do Die Linke mostra que, mesmo em tempos de polarização e com a extrema-direita em alta, é possível recuperar espaço político com um discurso claro, comunicação engajada e uma verdadeira conexão com as demandas da população, especialmente com os jovens. Para a esquerda brasileira, que ainda está tentando encontrar seu lugar no debate público, as estratégias do Die Linke podem servir como um bom exemplo.
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Coerência e foco nas questões sociais
Um dos motivos do sucesso do Die Linke nas últimas eleições foi a manutenção de um discurso firme e alinhado com as necessidades da população trabalhadora. O partido se comprometeu com a redistribuição de riqueza, a defesa de serviços públicos para todos, aumento de salários e proteção dos trabalhadores em situações precárias. Essa clareza ajudou o Die Linke a se diferenciar de outros partidos de centro-esquerda, que muitas vezes adotam posturas mais moderadas.
No Brasil, onde a desigualdade social é ainda mais evidente, a esquerda precisa reafirmar esse compromisso com a classe trabalhadora (reconfigurada pelo tecnocapitalismo) de forma clara e ível.
O exemplo do Die Linke mostra que ser coerente é a melhor estratégia. A população precisa enxergar a esquerda como uma alternativa concreta e confiável, pronta para enfrentar os problemas estruturais sem rodeios que afastem as bases populares.
Feminismo estrutural
Outra lição importante do Die Linke é como o feminismo está integrado em sua agenda política. A deputada Heidi Reichinnek conecta as lutas feministas às questões econômicas e sociais, abordando desigualdade salarial, precarização do trabalho feminino e a falta de infraestrutura social que afeta as mulheres. Essa visão integrada faz com que o feminismo seja visto como uma parte fundamental de um projeto de transformação social.
Em nosso país, onde o movimento feminista é bastante ativo, a esquerda precisa incorporar essa abordagem de maneira consistente.
As mulheres representam uma parte significativa do eleitorado e são diretamente afetadas por questões como precarização do trabalho e violência doméstica. Colocar o feminismo como uma prioridade e transversalizá-lo em sua estratégia, pode fortalecer a relação da esquerda com as mulheres, especialmente as mais jovens.

Conexão com movimentos sociais
O Die Linke se destaca por sua habilidade de dialogar e formar alianças com movimentos sociais progressistas. Essa conexão se traduz em políticas públicas concretas e na ampliação das vozes desses movimentos no espaço político.
No Brasil, a esquerda deve reforçar essas alianças, apoiando não apenas movimentos como o MST, mas também dando visibilidade às demandas de comunidades indígenas, quilombolas e LGBTQIA+. A experiência do Die Linke mostra que a força da esquerda cresce quando está enraizada nas lutas reais da sociedade.
Enfrentando a extrema-direita
O Die Linke não hesita em enfrentar a extrema-direita. Enquanto outros partidos tentaram se moderar, o Die Linke manteve uma postura firme contra o racismo e o autoritarismo, o que foi essencial para recuperar a confiança de eleitores que vivem de maneira direta a super-exploração e am por dificuldades econômicas.
No Brasil, a esquerda deve fazer o mesmo, denunciando discursos de ódio e oferecendo soluções concretas para os problemas que a extrema-direita usa para se promover.
Comunicação e diálogo
Um dos fatores que ajudaram o Die Linke a se reerguer foi a sua capacidade de se comunicar de forma clara e ível, especialmente com os jovens, rompendo a barreira do digital para ganhar as ruas.
Essa comunicação militante, que mistura presença online e contato pessoal, foi fundamental. A deputada Heidi Reichinnek, principal figura pública do partido, usou as redes sociais para falar sobre temas importantes, conquistando um público de meio milhão de seguidores. Essa estratégia permitiu que o partido atraísse novos filiados e reduzisse a idade média de seus membros.
A força da comunicação do Die Linke se deve ao seu caráter militante: 1) uma comunicação online atraente e descontraída, mas que aborda temas importantes como meio ambiente, moradia e pobreza; 2) um trabalho de militância ativo, que envolveu ativistas batendo à porta de mais de meio milhão de pessoas para conversar.
Aqui, a esquerda precisa investir em discursos e plataformas que falem a língua dos jovens, tratando de questões como a precarização do trabalho, a emergência climática e a saúde mental, ao mesmo tempo que promove lideranças jovens, que refletem a diversidade da sociedade.
A experiência do Die Linke mostra que, para atrair os jovens, é preciso não apenas falar sobre suas demandas, mas também incluí-los na construção do projeto político.
Um exemplo a ser seguido
A trajetória do Die Linke traz lições valiosas para a esquerda brasileira em um momento crítico. Em meio ao declínio de popularidade do governo Lula e do ataque orquestrado contra sua política econômica, a extrema-direita avança. Nesse momento, a coerência nas pautas, a defesa do feminismo, a pauta ambiental, a conexão com movimentos sociais e o diálogo com os jovens são essenciais para recuperar a confiança do eleitor.
Essas lições só terão efeito se a esquerda brasileira estiver disposta a repensar humildemente suas estratégias e priorizar um diálogo com as demandas reais da sociedade.
Assim como Heidi Reichinnek, a jovem líder que traz Rosa Luxemburgo tatuada no braço, representa uma busca por renovação dentro para a esquerda alemã, no Brasil, temos que estimular o surgimento de novas lideranças, que combinem um compromisso com causas progressistas e uma visão estratégica para o futuro.
A luta não é fácil, mas a capacidade de organização e resistência da esquerda é algo que não pode ser subestimado. O exemplo da Alemanha nos mostra que, mesmo em tempos difíceis, é possível ter esperança e se reafirmar como uma força política relevante e imprescindível.


Chico Cavalcante é jornalista e consultor político. Fundador da agência Vanguarda, é o estrategista chefe da Vanguarda MKTPOL, agência especializada em consultoria e marketing político. Leia também de: Não foi uma demonstração de força e O povo contra as elites. E ainda: A América não será grande de novo.
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