A partida de Apolinário, gênio de uma arte profunda assassinado por uma elite vazia

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A partida de Apolinário, gênio de uma arte profunda assassinado por uma elite vazia
Apolinário talhando a escultura de Santo Antônio, em Mojuí dos Campos. Foto: Arquivo Blog do Jeso

Por Válber Pires (*)

Pela brutalidade e covardia, não tenho como conter esta homenagem em tom de desabafo sobre a agem do amigo Apolinário.

Fiquei sem chão com a triste notícia de sua partida, assassinado, ao que tudo indica, por questões políticas. Seu assassino é membro da horda de bárbaros que infesta o Brasil por todos os poros.

Válber *

Parte de uma elite que só tem riqueza material e que, se lhes tirarem esta riqueza, cai na profunda insignificância de sua indigente condição intelectual, moral, cultural, existencial, ética, estética, humana… Esta parte da elite santarena abominava Apolinário, não por ser uma mente ou personalidade complexa e polêmica, mas por ser um gênio que expunha em sua arte – esculturas, poesias, quadros, músicas – as vísceras, mediocridades e insignificâncias desta elite.

Na grandiosa e profunda arte deste gênio, esta elite se via nua frente ao espelho, posta em sua exata dimensão de absolutamente nada. Qual o turista que, quando vai a Santarém, quer conhecer estas pessoas? Ninguém, até porque não são ninguém.

 

Esse bando de ninguém até comemorou, em suas redes sociais e blogs, o tiro covarde que ele sofreu. Mas, qual turista não gostaria de conhecer o artista que pintou lindos e perturbadores quadros sobre nossa cidade, que levou o nome de Santarém para França, Inglaterra, Canadá, Estados Unidos, Argentina…

Que esculpiu monumentos hoje apreciados por todos que vivem em ou visitam Santarém… Que escrevia, tocava, cantava, declamava belíssimas e perturbadoras poesias que, ao mesmo tempo, exaltavam as grandezas e escancaravam as misérias humanas, sociais, culturais e políticas locais, regionais, nacionais, mundiais?

Apolinário humilhava com sua imensidão estética esta elite que só tem riqueza material, mas que, essencialmente, não é ninguém… Foi um menino pobre, negro, sem “dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior” que venceu na vida pela sua genialidade artística.

Transformou sua vida num atelier de artes: suas tragédias, sua glórias, seus fracassos e suas conquistas, suas relações e suas ações, seu respirar e suas angústias eram todos sublimados dentro de uma atmosfera artística permanente, de uma filosofia estética original que lhe exigia transbordar em cores, palavras, gestos e formas suas experiências.

Eis a verdadeira grandeza e nobreza que faz de Santarém uma terra de inspirações e da qual a cidade está, cada vez mais, carente.

 

Ele continuará elevando o nome de Santarém. Muitos turistas continuarão curiosos para conhecer este gênio, este nobre, este santareno e ser humano sublime.

Os ninguéns que o mataram continuarão sendo ninguéns, indigentes, insignificantes que tentam se equilibrar em sua vazia riqueza material.

Deixo aqui minha gratidão e homenagem a você, grande amigo. Você deixa um legado artístico belíssimo, profundo e imenso para seus amigos e para Santarém.


— * Válber Pires é professor universitário, doutor em Sociologia, com pós-doutorado em Socioeconomia e Sustentabilidade.

LEIA também de Válber Pires: As mentiras de Bolsonaro e a tal interpretação direitista da história.

LEIA também sobre Apolinário: O artista invisível de uma cidade invisível, por Ericson Aires.


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9 Responses to A partida de Apolinário, gênio de uma arte profunda assassinado por uma elite vazia

  • o azar deste artista gauche é ter nascido com um talento de violonista numa terra que cheira a percursão !!!!

  • Amigo concordo com tudo o que você falou sobre uma “elite que só tem riqueza material”. Mais existe aquela celebre frase bíblica: “diga-me com quem andas e eu te direi quem tu és”.

  • Valber a tragédia foi ele se aproximar desse bando de ninguem da elite vazia e cheia de bebidas alcólicas. Apolinário está na Luz. Mas esse bando de ninguém terá seu dia de ser comido pelos bichos da terra e mil demônios, pois ninguém escapa da morte e julgamento final.NINGUÉM.

  • ISSO SIM É UMA HOMENAGEM DE UM AUTENTICO DOUTOR:

    Apolinário!

    Um amigo
    Filho de um pai mendigo,
    Seu pai pedia esmolas
    Ao lado dele na praça
    Da matriz
    Em meados dos anos
    70.

    Amigo incondicional
    De dom Tiago,
    Engraxate,
    Vendedor de a província
    Do Pará.

    Um amigo de rua,
    Amigo de Zé cangóia,
    Se amavam
    No ódio
    E na alegria.

    Um artista brejeiro,
    Sua tinta
    Tinha borra
    De açaí
    E arame farpado
    Para dizer
    Do ódio
    Que a rua
    Lhe pôs.

    Apolinário foi além
    Das fronteiras
    Do Brasil,
    Inteligente
    E medíocre,
    No riso
    Fez sua desgraça.

    Apolinário amava
    E valorizava
    Os artistas regionais:
    Séculosdeversos (eu), cangóia, Neucivaldo Moreira, Edivaldo Bernardes, Terezinha Amorim, Renato sussuara, Dijalma do cavaquinho, Laurimar Leal, Nato Aguiar, seu Lili e tantos
    Outros.

    Apolinário!
    Um herói despido
    Vestido
    Na carranca
    Da pobreza
    Apesar da riqueza
    Fazia luxo perfeito
    E o perfeito
    Se tornar horrível.

    Meu amigo de infância dura
    Na rua,
    Meu parceiro engraxate,
    Vendedor de jornal,
    Restam apenas
    Nosso
    O cenário,
    A praça da matriz.

    Francisco Edson.
    Séculosdeversos
    Vai em paz
    Apolinário!

  • Parabéns pela justa homenagem ao artista que infelizmente se foi, e pelo excepcional texto. A propósito desta matéria, as esculturas que ele fez na Orla em frente ao mercado modelo; o boto, o Tucunaré e a Tartaruga, estão todos muito mal conservados, até parece que fazem alguns anos que o poder publico não dá a devida manutenção, e que está literalmente entregue aos pinguços que se apropriaram daquele local.

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