por Josué Vieira (*)
lá o tempo a calmo na mansidão da maresia. A praia nas primeiras horas do dia está sem minutos, horas e até sem dias, por isso deixei o relógio no carro. Tão breve “uma paz invade meu coração”, e tão logo o vento esfarela aquela sensação de memória junto a areia da praia em que meus pés afundam-se mais.
Apenas por afundar, meus pés se dissolvem junto com a memória de um tempo do sei-lá, como aquele barco que se aproxima dos outros barcos aportados na segurança de uma ancora média ou grande. Uma forma de dependência explicita sem vontade de se criar paradoxos ou reflexões, um dever que se cumpre na necessidade, uma necessidade que sem vinculo do dever se inicia…
Não quis ir muito longe, pouca gasolina fizera-me pensar: Ângela. O carro em uma distância considerável reluzia a analogia. Mas em curtas palavras, “Corra Ângela, Corra!!”, ministravam meus olhares para um distante. Para os barcos…
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Lá sei: não haveria correria, nem Ângela. Muito menos um ao-menos, haveria sim barcos, distantes e não preocupados com o navegar. Tempo faz do dia da ultima entrada em um motor. Tenho que aceitar, estão na minha frente e fazem parte da paisagem rotineira de ser praia. Mas que caralho, barcos, praia, Ângela, praia, praia, barcos, barcos, barcos, eu…
Por alguns minutos, aquele recanto de praia me traz uma companhia. Deixo o vento e a sensação da areia sobre meus pés me consumirem um pouco da existência. Fecho os olhos para ver quantos minutos aquele barco cruzando minha visão se tornará mais um entre outros. Quanto tempo se aglutinará ao DNA daqueles convivas? Logo não há minutos, nem um pouco de tempo que diga a mim a que distância o barco se encontra do meu alcance de vista, dos meus ancestrais, dos meus “eu´s” de possuir.
Fecho e abro os olhos, em um ritmo lento e grave, como se a surpresa do momento fosse levar aquele barco para o recanto daquela mata que se anuncia para a manhã. Um verde uniforme, perdendo, a pari u, o negrume morfético da noite. Os lastros de óleo na água, testemunhas de um dia anterior, ajudam na procissão da velha-Ofélia, levam, levam, levam, em um ritmo de maresia fazem espumar no dorso desregular da praia o pequeno mundo que me rodeia no estou. E nisso meus pés revelam-se cromossomos dos barcos da antemanhã.
Logo: um barco. Tão obvio! Um pouco de areia tão obvia sobre meus pés! Pareço obvio para aquela paisagem como ela parece a mim. Tenho que deixar um pouco de lado minhas lastimas paradoxais. Sou eu que comando a mim mesmo. Um o adiante, a camisa pólo já nem me lembro onde joguei, mais um o, a areia se torna mais compacta, já não estou na parte fofa da praia, onde se a a vida-lazer dos castelos dominicais construídos pelo “pai do homem”. Os anos, a infância, o vento, a alegria, o momento são marcas deixadas nas pegadas.
Pereço de momento: as águas podem me levar – onde? Mais distantes onde o Não-sei é noticia de velhas formas de pensar. Como aquele barco posto em minha razão a me observar. Mas ao menos está ali para os que observam no remanso das maresias. Como Ângela… como Ângela. Mais um o me junto ao barco, assim faço rumo aquático. E tenho, estou protelando demais. Cabra covarde, nem para entrar nas águas serve.
Tenho medo de sangue, por isso escolhi a praia. Lembra Val naquele fim de noite, não queria ter uma vida de vômitos e baganas, mas Deus dá o frio conforme o cobertor reluz que nem neon e luminoso dos bares à beira do cais. Dispenso o coberto, vou entrar sozinho. Ensinaram-me a benzer-me antes de entrar no Rio, teve tempo de achar balela, hoje acho que preciso.
Pai, Filho e Espírito Santo.
A sensação é de que as águas já me aguardavam, pouco importava o dia e hora. Sabiam que voltaria. Aos 8 anos quase fui, mas um rapaz: “ei… tá muito fundo pra moleque! Volta!”. Voltamos, eu para beira da praia e ele para uma menina, que em minhas memórias está sem rosto. Isso faz trinta anos. Que porra de memória! Regride trinta anos e não faz me lembrar do meu pai, nem da mãe. Acho que foram meus irmãos…
Entra filha da puta, tua mãe te esqueceu, teu pai nem se fala te deixou na porta esperando o baralho que traria. E tu, “ele volta mãe?”. Sem nada de resposta, sem nada de tudo, preferia o colo da velha que cada dia montava uma razão na garrafa de tatuzinho e natu. Até o dia de saber a firmeza de um punho de rede esmagando o esôfago. Entra filha da puta… seu puto escroto
Um vento me fez ver o Lá. O barco nem no meu campo de visão se encontra, se perdeu entre aqueles que estão em minha frente, não sei se parou ou prosseguiu viagem, deixarei está esfinge para aqueles que precisarão pensar de quem era o carro, porque teria feito. “Corra Ângela, corra…” Não consegui me despedir de Ângela, mas de qualquer forma:
Adeus Barco!
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* Santareno, é escritor. Escreve regularmente neste blog.
Meu Deus..que coisa linda. muito linda. A literatura..essa arte que me nocauteia.
Obrigada Professor por nos presentear com tanta simplicidade, divulgando poetas, escritores…enfim.
Nota dez pra você Professor! rs e aplausos ao autor do maravilhoso texto.