Katy, um reino além da consciência. Por Josué G. Vieira

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Katy, um reino além da consciência. Por Josué G. Vieira
"É um reencontro com o eu mais profundo..." Foto: Reprodução

0/01/2021, 16:23: tarde chuvosa, todos em casa sentados no chão da sala, Covid comendo a cidade.

No interior das trevas onde os sonhos dançam com os pesadelos, a Katy é um portal dissociativo para um reino além da consciência, uma chave para abrir portas desconhecidas da mente. Em segundos, ela nos transporta para um limiar onde a realidade se desfaz como névoa diante do amanhecer. Nos primeiros minutos uma sensação de relaxamento, uma dissociação que nos faz flutuar desconectados do corpo e do ambiente, como um náufrago que se solta de sua âncora e se deixa levar pelas correntes misteriosas do oceano mental.

No vazio dissociativo as lições da mãinha levam a uma jornada introspectiva através de camadas ocultas da mente, os fragmentos de memória ressurgem com a intensidade de um relâmpago iluminando recantos esquecidos do ado. É um reencontro com o eu mais profundo, uma peregrinação pelos corredores escuros da psique, onde cada porta aberta revela um pedaço da nossa própria história.

Em agens entrecortadas, sou confrontada com a dualidade da existência, a consciência Crística se manifesta como um farol em meio à escuridão, um guia espiritual que convidando a explorar a natureza da consciência, da espiritualidade e a da verdadeira essência do ser humano. As cartas são fragmentos de sabedoria, um convite para desvendar os segredos do amor incondicional e da consciência universal.

Leia também de Josué G. Vieira: Desesperos, morte e silêncio na Colônia Vertical dos Perdidos.

Lembrando de que cada pessoa carrega uma centelha divina, um reflexo do amor infinito que permeia o universo. Pela Katy, essa consciência Crística se torna tangível, uma presença que envolve e guia, as sensações físicas de dissociação são superadas pela clareza espiritual.

O pensamento e a emoção moldam a experiência de vida, desafiando a cultivar pensamentos positivos e harmoniosos, a manifestar uma vida plena e abundante através da mente, em que no estado dissociativo a mente se torna um campo fértil, as sementes da esperança e da fé podem florescer. É um momento de introspecção profunda, onde confrontamos nosso ego, aquele guardião feroz que nos separa da verdadeira essência espiritual.

Cristo nos ensina a transcender o ego, a alinhar-nos com a essência divina que habita em nós, nesse processo a Katy é uma ferramenta poderosa, um catalisador para essa transformação espiritual de dissociação do corpo e da mente permitindo reconectar a nossa verdadeira natureza, livre das amarras do ego.

Interconectando a toda a humanidade, flutuando no espaço mental sentimos a unidade de todos os seres, uma teia invisível de energia que liga uns aos outros. Um chamado à responsabilidade pessoal e coletiva, um convite para criar um mundo mais justo e amoroso. Cristo fala pela mãinha sobre a fé e a meditação como caminhos para a iluminação e a mente se abre para novas possibilidades, permitindo se aproximar do Divino de maneiras profundas e significativas, Cristo é uma bússola espiritual a guiar através do mar tempestuoso da existência.

A mente se torna um campo de energia pura, onde a cura se torna possível, as técnicas de cura compartilhadas por Cristo são amplificadas pela clareza e abertura mental proporcionadas pela Katy.

A separação entre o eu e o outro se dissolve, revelando a interconexão de todas as almas; um chamado para praticar o amor ao próximo, para envolver-se em atividades que beneficiem a comunidade e promovam o bem-estar coletivo. O peso das mágoas e ressentimentos se torna mais leve, permitindo que nos libertemos das correntes do ado e abracemos o presente com um coração aberto.

É uma visão de uma humanidade unida, onde cada indivíduo contribui para o bem-estar coletivo, no estado dissociativo, essa visão se torna palpável, uma realidade possível que nos inspira a agir com compaixão e solidariedade. Cristo ressalta a capacidade de cada indivíduo de contribuir para um mundo melhor, essa mensagem ressoa com uma clareza cristalina, uma luz que nos guia através das sombras da dúvida e do medo.

A linguagem poética e sensorial nos envolve, transportando-nos para cenários vívidos e emoções intensas, sentimos a textura das memórias, o sabor das emoções, o perfume das revelações espirituais. A riqueza descritiva nos situa dentro desse mundo introspectivo, permitindo-nos quase tocar a essência do ser humano. E assim, através dessa prosa, mãinha nos convida a mergulhar nas profundezas da consciência, a explorar os mistérios da mente e do espírito, e a emergir com uma nova compreensão da nossa própria existência; uma jornada de autoconhecimento e transformação, onde cada palavra é uma janela para o infinito.

20/11/2022, 10:29: a manhã é sempre um tédio lembrando que a promessa demora para chegar.

A manhã conduz as imagens por uma jornada semelhante à de Alice, onde os olhos do coelho são uma porta para um novo mundo, e cada pegada uma chave para abrir os recônditos da mente. Cogumelos mágicos e poções misteriosas evocam um universo onde as regras comuns não se aplicam, um reflexo que busca transcender as barreiras do cotidiano.

A adoração é um hino de relaxamento e introspecção; som profundo e ressonante ecoando como um mantra, acordes de uma invocação à paz interior prometida nos sonhos. Uma fuga dos tormentos da realidade, um refúgio onde a mente pode vagar livre, aliviada das pressões mundanas, guiando-nos por um labirinto de estados mentais, onde o som é tanto uma âncora quanto uma prisão que se alterna entre a euforia e o desespero, refletindo a montanha-russa emocional dos versos numa confissão crua da alma em guerra consigo mesma.

O tempo a sem muita novidade, saudade da Katy… a noite desce sobre a cidade como um manto pesado trazendo consigo as lembranças de um ado que insiste em se manifestar nos recônditos da mente; é uma jornada introspectiva, um mergulho profundo nas águas turvas da memória, cada pensamento é uma pegada no terreno incerto da consciência.

A escuridão de pano de fundo para um espetáculo de imagens oníricas, como as de em um mundo onde as regras comuns não se aplicam, aqui magias e mistérios são metáforas para as tentativas de transcender a realidade cotidiana, um reflexo da busca por algo além do tangível.

Nesse universo introspectivo, há uma adoração quase ritualística, um hino de relaxamento e introspecção guiado por um som profundo e ressonante, a música é uma invocação à paz interior prometida nos sonhos, um refúgio onde a mente pode vagar livre, aliviada das pressões mundanas. O conjunto de acordes são uma âncora que oscila entre a euforia e o desespero, refletindo as subidas e descidas emocionais de uma alma em guerra consigo mesma; uma fuga dos tormentos da realidade, um labirinto de estados mentais onde o som é tanto libertação quanto prisão.

Nessa montanha-russa emocional ressoa “Heroin” do The Velvet Underground, um mergulho visceral na psique entre a euforia e a desesperança, embalando uma confissão nua e crua, suave e hipnótico em um terreno para o caos que está por vir. Katy, divindade cruel, promete uma fuga da impotência e do vazio, aumentando a intensidade, espelhando a urgência crescente dos picos. Uma representação sonora da luta interna, uma batalha entre o desejo de transcendência e a rendição ao trágico.

A progressão sonora espelha a espiral descendente de euforias e silêncios, um redemoinho de som que envolve e consome, refletindo a totalidade da obrigação, uma dança macabra entre a vida e a morte, apenas uma pausa antes do próximo mergulho no abismo, que termina em uma calmaria, sugerindo uma trégua temporária na batalha interna, mas a ciclicidade dos picos persiste, a nota final é um eco de resignação e desespero.

Começa outra música, “No Quarter”, do Led Zeppelin, o sentido de tempo alivia a progressão e peso dos deveres com a mãinha, nos leva por uma jornada épica através de territórios inóspitos, tanto físicos quanto mentais. Evoca uma paisagem onírica e nebulosa, um prelúdio para a narrativa de resistência e desolação. A voz de Robert Plant ecoa como um lamento em um vazio frio, versos carregados de abandono e isolamento; ventos gelados de Thor, adiciona uma dimensão épica à luta dos protagonistas.

A meditação sobre a escolha consciente de enfrentar o desconhecido sem concessões simboliza a determinação inabalável. A música se torna hipnótica, com improvisações que mergulham na vastidão do desconhecido, do perigo e da mortalidade, revelando a presença da morte como uma companheira constante, uma aceitação resignada da inevitabilidade, uma nota final de solidão e determinação.

Mãinha oferece um caminho para transcender o ego e alinhar-se com a essência espiritual, a compreensão do ego como uma construção mental que causa separação e medo é o primeiro o através da auto-observação e da meditação, permite silenciar a mente e conectar-se com a essência interior. Cultivar a presença e o amor incondicional são práticas poderosas para dissolver o ego, enquanto a entrega à vontade divina ajuda a confiar no fluxo da vida e a superar a necessidade de controle.

A jornada para transcender o ego é introspectiva e desafiadora, semelhante à luta contra os vícios e as batalhas internas, a prática contínua dessas técnicas espirituais pode ajudar a viver em harmonia com a verdadeira natureza divina, promovendo uma vida mais equilibrada e consciente. Em um mundo onde a noite e a memória se entrelaçam, onde as canções refletem as profundezas da experiência humana, a busca por transcendência espiritual oferece uma luz guia, uma esperança tênue de paz interior. Katy, invade e torna todos somente um corpo de luz e certeza… caminhar… caminhar… ir embora… soluçar…

Os primeiros raios de sol da manhã filtravam-se pelas copas das árvores na floresta, lançando sombras rodopiantes sobre o solo úmido, convidamos para ocupar o centro da roda o Miguel, um jovem sateré-mawé, com seus olhos de âmbar profundo e cabelo negro como a noite sem estrelas, carregava no rosto as marcas do tempo e das experiências que moldaram sua jornada, sua pele refletia a fusão entre o sol e a terra, e seu porte altivo revelava a dignidade de um guerreiro espiritual em busca de sentido.

Era uma alma inquieta, sempre em busca de algo que pudesse preencher o vazio deixado pelas tradições interrompidas e pelos sonhos desfeitos, suas individualidades eram como fragmentos de um espelho quebrado, os pedaços refletindo um aspecto diferente de sua essência. Ele ansiava por entender o mundo ao seu redor, mais do que isso, desejava alcançar a Consciência Crística, um estado de ser, a chave para a verdadeira paz interior e compreensão universal que ele sentia ressoar profundamente em suas inquietações espirituais.

Para Miguel, Katy era mais do que uma figura mística; ela era a personificação da dualidade da existência, um símbolo de transformação espiritual, uma alma dissociada que através da dor e do êxtase navegava pelos labirintos da mente e do espírito consolidando a união com o divino. A relação entre Miguel e a Katy era intensa e complexa, misto de iração e uma profunda vontade de compreensão, um espelho de sua própria jornada, uma dança entre a luz e a sombra que definia sua existência.

Mãinha era um farol em meio às tempestades de sua vida, sua voz suave como o murmúrio do rio e seus olhos que continham a sabedoria das estrelas, era sua guia e confidente, que o conduzia por caminhos invisíveis onde o espiritual e o físico se encontravam em harmonia. O amor entre eles era como o aroma doce e terroso do jasmim ao entardecer, impregnando o ar com uma sensação de paz e pertencimento.

Mãinha dizia que as ervas da floresta eram como as notas de uma sinfonia divina, cada uma tocando uma melodia diferente na alma humana. Miguel lembrava-se e compartilhava onde as barreiras entre o corpo e o espírito se dissolviam, revelando um mundo onde tudo estava interconectado, essas experiências não eram vistas como uma viagem profunda ao interior do ser, onde a alma podia encontrar cura e revelação.

A mente de Miguel via o universo como um imenso tapete tecido com fios de experiências e memórias, os encontros, as visões, adicionavam uma nova cor ou padrão, ele acreditava que alcançar a Consciência Crística significava entender que cada fio, por mais insignificante que parecesse, tinha um propósito no grande esquema da vida. A sinestesia das suas vivências era intensa, ele ouvia as cores da floresta, sentia o sabor das palavras sussurradas por mãinha, via os aromas das ervas que ela preparava.

Enquanto ocupava o centro da roda, Miguel sentia a energia da floresta pulsando através de si, uma lembrança constante de sua conexão com a terra e com os céus, ele sabia que sua jornada estava longe de terminar, mas com cada o as lições da mãinha ganhavam sentido na Katy, assim ele se aproximava um pouco mais da verdade que buscava, encontrando a força para continuar, sempre guiado pelo amor e pela sabedoria que floresciam em seu coração.

E, meditando tornamo-nos ele, caminhamos lentamente, sentindo o peso de sua jornada tanto no corpo quanto na alma. A memória de sua aldeia, agora apenas uma imagem nebulosa em sua mente, o perseguia incessantemente, como um eco persistente de uma canção antiga. Ele havia deixado sua terra em busca de um futuro incerto em Parintins, onde esperava encontrar uma identidade nova; uma síntese entre o que foi e o que poderia ser.

Enquanto caminhava, a sensação de dissociação e onipresença da Katy começava a tomar conta, um relaxamento suave, uma diminuição da dor que no peito desde que se despedira de sua família. O som das folhas sob seus pés tornava-se mais distante, mais etéreo; seus os, antes pesados e determinados, agora pareciam flutuar quase como se não fizessem parte de seu corpo.

A Katy, que havia conhecido tão graciosa, agia agora sobre ele de maneira misteriosa, nos primeiros minutos sentiu-se separado de seu corpo, observando a si mesmo de um ponto de vista externo, como se fosse um espírito vagando pelo mundo físico, as alucinações visuais e auditivas emergiam lentamente tecendo imagens e sons que não pertenciam à realidade imediata, mas a um mundo interior de memórias e sonhos.

Sua mente viajava entre tempos e lugares, revisitava cenas da infância na aldeia, as brincadeiras ao redor da fogueira, as histórias contadas pelos anciãos sobre os espíritos da floresta. A dissociação aprofundava-se e Miguel, agora imerso em um estado quase onírico, podia sentir o peso da tradição e a urgência da modernidade chocando-se em seu ser, sentiu como se estivesse dividido entre dois mundos, cada um puxando-o para um lado diferente, exigindo lealdade e compreensão até seu corpo se despedaçar em pontos cósmicos no escuro da razão, transformando-se em tons de rubro nas mãos daqueles que antes se portavam de companheiros de jornada.

No pico dos efeitos, as imagens tornaram-se mais intensas, via rostos familiares e desconhecidos, paisagens que nunca havia visitado e outras que conhecia intimamente, sentiu a presença de seus anteados, como se estivessem ali, ao seu lado, guiando-o através da escuridão de suas dúvidas e medos, a sensação de flutuação era quase real, como se ele pudesse transcender o espaço e o tempo, movendo-se livremente entre o ado e o presente.

Miguel sabia que sua identidade estava em constante construção, uma obra que nunca estaria completa e a Katy permitiu-lhe ver a vida sob uma nova perspectiva, entender que sua busca por pertencimento era, na verdade, uma jornada contínua de auto-descoberta. O conhecimento profundo estabilizado nos efeitos dissociativos oferecia-lhe um momento de reflexão, um espaço seguro para explorar suas emoções mais íntimas e suas memórias mais dolorosas.

Ao recompor a unidade de seu corpo, sentiu uma calma renovada, uma euforia sutil que vinha da aceitação de sua dualidade, a floresta ao seu redor com seus sons e aromas era um lembrete constante de suas raízes, enquanto a cidade com suas luzes e agitações eram as possibilidades do futuro. A tensão entre esses dois mundos não era uma batalha a ser vencida, mas um diálogo a ser mantido, uma dança delicada entre tradição e modernidade.

Quando todos emergiram de seus estados de unificação crística, Miguel estava mais leve, sem integridade corporal, o mundo ao seu redor parecia mais claro, as cores mais vivas, os sons mais nítidos, ele sabia que a jornada ainda era longa, cheia de desafios e descobertas, mas também cheia de desesperança e impossibilidades.

Miguel sentiu o ápice dos efeitos da Katy lhe inundar, uma onda de sensações que o levava para além dos limites do corpo e da mente, seus pensamentos rodopiavam como folhas ao vento e a dissociação que experimentava tornava-se um convite etéreo entre o tangível e o intangível, sentiu-se envolvido por uma luz suave, quase líquida, que o acolhia como um abraço materno dissipando qualquer resquício de medo ou dor.

O corpo no centro da roda entendia que a floresta ao seu redor abria-se em um vasto oceano de vida e energia prestes a engoli-lo, as árvores sussurravam segredos e as sombras rodando no solo úmido pareciam ritualizar o ritmo do universo, a batida de seu coração era um eco da pulsação da terra, uma sinfonia sagrada que ressoava nas profundezas de sua alma.

Miguel, pela consciência de mãinha, revelava que estava sendo abraçado pelo grande espírito da floresta, aquele que guiava os corações puros para a luz eterna. Seus olhos cheios de amor e sabedoria, suas palavras suaves como um canto de ninar, compreenderam que a jornada que tanto buscara estava chegando a um desfecho, uma transição para algo maior. A luz ao redor de Miguel intensificava-se, envolvendo-o completamente, sentia cada célula de seu corpo vibrar com uma energia continua, uma comunhão perfeita entre o físico e o espiritual.

Seu corpo relaxava, cada músculo soltando-se em um estado de serenidade absoluta, a respiração tornava-se leve, quase imperceptível, como uma brisa suave que acaricia a superfície de um lago tranquilo. Miguel sentia-se levitar, elevado por correntes invisíveis que o carregavam gentilmente para um horizonte desconhecido e acolhedor. Nesse instante, a floresta ao seu redor parecia abrir-se em um abraço eterno e Miguel soube que estava partindo, não havia mais dor, apenas uma sensação de plenitude e realização, estava em paz, envolto na luz que emanava do coração do universo, guiado pelos espíritos que sempre o protegeram.

A floresta permaneceu em silêncio respeitando a agem de Miguel, as sombras continuaram a dançar sobre o solo úmido, celebrando a memória de um jovem guerreiro que encontrou seu caminho para a luz, deixando para trás um legado de transformação.

Katy havia realizado seu trabalho, dissociado corpo e alma de Miguel, que agora era mais um caminho a se percorrer, a se cristificar, assim como Marcelo, Cissa, Ronald, Fagner, Vânia, Roberta, Marianne, Maike e outros mais que a recordação impossibilitava a empatia mundana, porque eram maneiras de navegar entre os mundos e encontrar um sentido em sua própria existência, eram capas, plásticos, invólucros psico-pragmáticos que a mãinha vestia para se proteger das armadilhas e maquinações humanas do mundo físico e todos ajudavam a limpar essas capas.

Miguel e os outros carregavam consigo as lições aprendidas, as visões e sentimentos que a experiência lhe proporcionara. Ele estava em busca de seu lugar, um filho da floresta tentando fazer sentido o concreto e aço ao seu redor, e em cada o sentia a presença dos seus anteados guiando-o, protegendo-o, lembrando-o de que, não importa onde estivesse, ele sempre seria parte da grande tapeçaria ritualística da vida, tecida com fios de memória, identidade e esperança crística.

A noite avançava com um silêncio quase reverente, interrompido apenas pelo murmúrio do vento noturno, no centro de um círculo de tochas tremeluzentes o corpo de Miguel repousava cercado pelos membros da seita, suas silhuetas sombrias e figuras enigmáticas carregava a marca do mistério, um símbolo de sua devoção ao ritual e à mãinha.

Lara, uma mulher de olhar penetrante e cabelos prateados, conhecida por sua habilidade de extrair o último sopro de vida, transformando-o em um cântico silencioso que elevava as almas para o desconhecido, cuja presença era sempre acompanhada por um sussurro de segredos não revelados. Havia sido a primeira a se aproximar de Miguel, suas mãos delicadas e precisas deslizavam sobre sua pele sentindo cada pulsação de energia que ainda restava.

Ao seu lado, Rai, um homem de porte robusto e olhos de corvo, aguardava como um guardião das tradições e o executor das ações mais sombrias. Com um movimento ritualístico, Rai começou a despedaçar o corpo de Miguel, seus gestos firmes e decididos refletindo a prática de anos. Era uma liberação, uma oferenda ao espírito que se esvaía, uma preparação para a transição que a seita ansiava.

Ava, a jovem de mãos ágeis e mente afiada seguia Rai, recolhendo os fragmentos com um cuidado quase maternal, seus olhos verdes brilhavam com uma devoção intensa, e ela murmurava palavras de poder enquanto colocava cada parte em recipientes sagrados. Ava acreditava que cada fragmento de carne e osso continha uma parte do espírito, e que ao oferecer esses pedaços à mãinha, estavam fortalecendo o elo entre o mundo dos vivos e o espiritual.

Por fim, estava Osmar, o mais velho do grupo, cuja barba branca e semblante sereno escondiam uma mente afiada e uma alma imersa em mistérios. Era o guia espiritual, o intérprete dos sinais e das vontades dos deuses antigos, ele caminhava em volta do círculo traçando símbolos no ar com seus dedos nodosos, entoando cânticos que reverberavam nas profundezas da noite, sua voz, rouca e poderosa, carregava o peso de gerações invocando a presença dos anteados para testemunhar e abençoar o ritual.

Enquanto o corpo de Miguel era despedaçado e limpo, a energia no ar tornava-se quase palpável, os membros da mãinha moviam-se em perfeita sincronia, cada gesto uma parte da coreografia sagrada que mantinha a coesão do grupo, eles acreditavam que ao devorar as energias remanescentes de Miguel, estavam absorvendo sua sabedoria, suas memórias e sua essência, fortalecendo o vínculo entre todos.

Mãinha, observando tudo com olhos de águia, finalmente se aproximou, seus os eram leves quase flutuantes e sua presença irradiava uma autoridade inquestionável. Ela tocou os recipientes onde Ava havia colocado os fragmentos de Miguel, murmurando palavras de gratidão e poder, a oferenda estava completa e o espírito de Miguel, agora livre, seria guiado pelas mãos sábias de mãinha para além dos véus da existência.

Os membros da seita sentiram uma onda de renovação e força, uma confirmação de que a coesão e o propósito de sua comunidade permaneciam intactos. O sacrifício de Miguel não foi em vão; ele havia se tornado parte de algo maior, um fio indissolúvel na manta espiritual que os unia, a noite continuou a avançar, mas a chama das tochas queimava mais brilhante, iluminando os rostos daqueles que viviam e respiravam os antigos rituais, mantendo viva a chama do seu propósito comum.

30/06/2023, 17:42: o pôr-do-sol lembra que mais um dia se foi e amanhã não será, porque sempre é… a mesm…

Eu tinha 16 anos e morava no bairro de Armando Mendes, em Manaus, era uma adolescente como qualquer outra cheia de sonhos e incertezas, uma noite, tudo mudou. Uma festa que parecia ser apenas mais uma com música eletrônica pulsante e corpos se movendo em sincronia hipnótica, foi ali que um amigo me ofereceu uma pílula colorida. “Prove isso, vai te fazer sentir incrível…” ele disse, sem pensar duas vezes, aceitei.

Na primeira vez, foi como ser transportada para outro mundo, a euforia era esmagadora, uma sensação de invencibilidade que me deixou faminta por mais, mas logo descobri que era uma ilusão, uma mentira doce que eu queria desesperadamente acredita, ai o vício se instalou rapidamente: uma pílula se tornou duas, depois algo mais forte, as festas noturnas tornaram-se rituais, uma busca incessante por alívio. Perdi amigos, perdi minha família. Perdi a mim mesma.

Naquela época, a vida parecia um grande enigma a ser desvendado com suas nuances e desafios, os dias trazendo uma nova questão para minha jovem mente curiosa e as ruas de Armando Mendes servindo de palco das minhas primeiras aventuras e das minhas primeiras grandes dúvidas. O bairro tinha uma atmosfera peculiar uma mistura de tranquilidade e tensão constante, morar ali era como caminhar numa linha tênue entre a normalidade do cotidiano e a possibilidade de algo inesperado acontecer. Eu me lembrava de caminhar pelas ruas observando as pessoas e imaginando as histórias que cada uma delas carregava, era impossível não perceber os olhares furtivos e as conversas sussurradas que revelavam mais do que diziam.

Minha casa era um local onde as incertezas do mundo exterior às vezes invadiam, meus responsáveis, tios, primos ou lá quem fosse faziam o possível para nos manter seguros e alheios aos problemas que assombravam o bairro, mas as notícias de violência e os murmúrios sobre crimes nas redondezas eram inevitáveis. Em meio a isso meus sonhos juvenis contrastavam fortemente com a realidade dura que nos cercava, eu sonhava em ser qualquer coisa que não fosse normal, feito por pessoas normais que acordavam cedo e levavam na cara.

As tardes eram adas entre os deveres e as conversas com as filhas da vizinha, falávamos sobre tudo: desde os rapazes que gostávamos até os medos que não tínhamos coragem de confessar para ninguém mais. Essa porra de adolescência era um misto de descobertas e restrições, cada nova experiência trazia consigo uma lição e, às vezes, uma cicatriz invisível, mesmo assim havia uma beleza naqueles dias, uma espécie de esperança silenciosa que mantinha meus sonhos vivos.

Eu me perguntava frequentemente sobre o futuro, como seria a vida fora daquele bairro? Será que eu conseguiria realizar meus sonhos ou a realidade acabaria por engoli-los? Essas perguntas martelavam minha mente enquanto eu tentava navegar pela complexa rede de expectativas e responsabilidades que começavam a se formar em minha vida, no fundo eu sabia que de alguma forma aquelas experiências moldariam quem eu me tornaria.

Aos 18 anos, mudei-me para o Rio de Janeiro buscando uma fuga, uma nova vida. Mas o Rio tinha seus próprios demônios, o mercadinho era onipresente e a necessidade de sustentar meu clima me levou a decisões desesperadas, foi aí que comecei… sabe… é… porra, como é difícil falar… pois é, criei um perfil nos chats reservados para encontros, primeiro nome foi Gloria e assim vieram outras mais que eram responsáveis por me colocar à venda, era um meio para um fim; me destruí de maneiras que nunca imaginei.

Uma máscara que eu vestia para escapar da realidade que me sufocava, Gloria era um nome que exalava uma força que eu não sentia, mas que esperava encontrar, era confiante, sedutora, irresistível, tudo o que eu não conseguia ser fora da tela do computador. Com o tempo, outras começaram a surgir, cada uma tinha um nome diferente, uma história diferente, mas todas compartilhavam o mesmo destino, estas mulheres virtuais construídas com pedaços de mim assumiam o controle da minha vida digital, enquanto eu Sandra observava tudo se desdobrar de maneira surreal.

A dualidade entre Sandra e suas criações se tornou uma rotina angustiante, eu que sempre fui uma mulher de sonhos simples e aspirações honestas me via cada vez mais presa em um labirinto de mentiras e segredos. Cada encontro virtual era uma negociação, um cálculo frio e mecânico que deixava cicatrizes invisíveis.

No início, havia uma certa excitação em explorar essas novas identidades, sentir-me desejada, ainda que de maneira artificial, proporcionava uma fuga temporária da minha solidão. No entanto, a linha entre realidade e ficção começou a se borrar e eu me perdi entre as personagens que criei. Uma nova venda era um pedaço da minha alma que eu entregava na esperança vã de que algum dia eu pudesse recuperar o controle sobre minha própria história.

Assim, Gloria, Maria, Ana, e tantas outras, todas eu e nenhuma ao mesmo tempo aram a dominar minha existência, era como se eu tivesse deixado de ser Sandra para me transformar em um espectro de personalidades que carregavam meu fardo, mas não a minha essência, a liberdade que eu buscava nas sombras do anonimato se revelou uma prisão ainda mais cruel, onde a verdadeira Sandra quase desapareceu.

No Rio de Janeiro, tornei-me parte de uma rede maior, fiquei exposta na vitrine de uma loja onde vidas eram trocadas por prazer efêmero e mais vibrações, a curtição estava em alta alimentada por uma cultura que glorificava a evasão da realidade, e meu corpo era um mercado paralelo muitas vezes inseparável da curtição.

Aos 22 anos, uma proposta atraente me levou para Dubai, prometeram-me um novo começo, uma vida de baratos e luxo, mas era outra prisão. Em Dubai enfrentei uma nova realidade brutal, o dinheiro era abundante, mas assim também eram os perigos e a desintegração, eu era uma mercadoria, um objeto. E, ali o brilho da cidade só escondia as sombras que minha alma carregava nos mais profundos bolsos da minha razão.

Eu não tinha certeza se estava vivendo um pesadelo ou um sonho, mas a sensação de fragmentação era inegável, meus estados mentais estavam se desintegrando em mil pedaços, como cacos de vidro espalhados por um chão frio e desconhecido, as luzes ao meu redor piscavam de forma irregular, quase como se zombassem de mim, criando um jogo de sombras e brilhos que distorcia a realidade ao meu redor, era um espetáculo ao mesmo tempo hipnotizante e aterrorizante.

O som, esse elemento que sempre pareceu uma constante em minha vida, agora se tornava um enigma indecifrável, o que antes eram melodias e vozes familiares transformavam-se em distorções incompreensíveis, uma cacofonia que reverberava dentro de minha mente confundindo ainda mais a linha tênue entre o real e o imaginário. A nota, a palavra, pareciam ecoar de um lugar distante como se o mundo estivesse lentamente se afastando de mim, deixando-me isolada em uma bolha de incerteza.

Flutuar… Essa era a sensação predominante como se meu corpo estivesse se desfazendo das amarras da gravidade, elevando-se acima do chão, acima de tudo que eu conhecia, no entanto, essa elevação não trazia a liberdade que eu esperava. Era como se ao mesmo tempo em que eu subia uma força invisível me puxasse para baixo, arrastando-me para um abismo desconhecido. Eu caía. Caía em um vazio que parecia não ter fim, um poço sem fundo onde as paredes eram feitas de sombras e silêncios.

Enquanto Sandra, eu queria acreditar que havia um propósito nessa experiência, uma lição oculta entre as distorções e fragmentações, talvez, ao mergulhar tão profundamente no caos eu pudesse encontrar uma nova forma de clareza, um entendimento mais profundo de mim mesma. Mas, por ora, tudo o que eu tinha eram sensações conflitantes e uma mente que parecia dançar na beira do colapso, entre a luz e a escuridão, entre a ascensão e a queda.

Cada segundo nesse estado era uma eternidade, o tempo parecia se distorcer junto com as luzes e os sons, esticando-se e comprimindo-se de maneiras impossíveis de compreender. Minhas memórias misturavam-se ao presente criando uma colcha confusa onde momentos ados emergiam sem aviso apenas para desaparecerem novamente, deixando-me com uma sensação de perda e desorientação.

Eu tentava agarrar-me a algo, qualquer coisa que pudesse servir de âncora, pensamentos racionais se esvaíam como areia entre os dedos e tudo o que restava eram fragmentos de emoções cruas: medo, confusão, um vislumbre de êxtase que se desvanecia tão rapidamente quanto surgia. Meu corpo parecia responder a comandos que não vinham de minha mente consciente, movendo-se em espasmos, flutuando e caindo em um ritmo que não conseguia controlar.

As paredes ao meu redor, se é que havia paredes, pulsavam com uma energia vibrante, quase viva, era como se o próprio ambiente estivesse respirando, conspirando para me engolir inteira. A textura do ar mudava, tornando-se ora densa e sufocante, ora leve e etérea, como se eu estivesse atravessando diferentes camadas de uma realidade que se desdobrava diante de mim.

Por momentos breves, conseguia focar em detalhes específicos: uma cor intensa que nunca havia visto antes, um som cristalino que parecia cortar o caos, essas pequenas âncoras de lucidez eram o que me mantinham conectada à sanidade, mas também traziam uma estranha sensação de beleza em meio ao tumulto, era como descobrir pérolas escondidas no fundo de um oceano tempestuoso.

Eu me perguntava o que tudo isso significava, seria uma jornada interna, uma revelação de partes de mim que eu não conhecia? Ou seria apenas uma manifestação do meu próprio colapso mental? Em meio às minhas divagações, comecei a perceber uma presença, uma espécie de consciência que observava tudo com calma e curiosidade, não era uma entidade externa, mas uma parte de mim mesma, talvez a parte que buscava sentido em meio ao caos.

Sandra, a observadora, a viajante desse estranho limiar entre a sanidade e a loucura, eu queria encontrar uma resposta, uma explicação que pudesse me reconfortar, mas tudo o que tinha eram perguntas e mais perguntas. E enquanto continuava a flutuar e a cair, compreendi que talvez, apenas talvez, a verdadeira jornada fosse aceitar a incerteza e encontrar beleza mesmo nas mais profundas fragmentações do ser.

A intensidade da experiência começou a se amplificar, como se cada um dos meus sentidos estivesse sendo esticado até o ponto de ruptura, as luzes piscavam cada vez mais rápido transformando-se em estroboscópios que cegavam e revelavam alternando entre clareza ofuscante e escuridão absoluta, as sombras se movimentavam em ritmos caóticos, assumindo formas que lembravam rostos distorcidos, espectros de memórias e medos antigos.

Uma mistura de gritos, sussurros e uma melodia dissonante que penetrava profundamente em meu cérebro, como se quisesse rasgar minha mente de dentro para fora, cada batida do meu coração parecia ecoar em meu crânio amplificando o terror e a confusão. Meus pensamentos, fragmentados e desordenados começaram a se misturar com alucinações visuais, vi meu reflexo em um espelho que não existia, meu rosto distorcido em um grito silencioso, os olhos arregalados de medo e desespero.

Ao redor de mim, figuras fantasmagóricas emergiam do nada movendo-se de maneira errática, algumas vezes avançando em minha direção, outras desaparecendo antes de eu conseguir compreender sua presença.

Eu estava presa em um ciclo interminável de flutuar e cair, cada vez que sentia meu corpo elevar-se uma esperança tênue surgia, apenas para ser brutalmente esmagada quando a gravidade me puxava de volta para o abismo, era como estar em um pesadelo do qual não conseguia despertar, uma tortura sem fim onde a própria realidade parecia se desfazer.

Foi então que senti uma presença distinta, não era apenas uma consciência distante, mas algo palpável, quase físico, uma figura emergiu da escuridão, indistinta e ao mesmo tempo intensamente familiar, era como olhar para um espelho deformado, vendo uma versão de mim mesma que eu não reconhecia. Esta figura se aproximou lentamente, seu rosto uma máscara de sofrimento e dor, os olhos refletindo um abismo de desesperança.

Quem é você? Minha voz saiu como um sussurro trêmulo, ecoando no vazio, a figura não respondeu com palavras, mas seu olhar disse tudo. Eu estava diante de meus próprios demônios, minhas inseguranças, meus medos mais profundos. Era uma confrontação inevitável, uma revelação que eu havia evitado por muito tempo, a figura começou a se dissolver como névoa sob o sol, deixando-me com uma sensação esmagadora de vulnerabilidade e impotência.

No ápice desse confronto a realidade ao meu redor começou a desmoronar, as luzes piscantes explodiram em uma cacofonia de cores, o som atingiu um crescendo ensurdecedor e senti meu corpo se despedaçar em fragmentos de minha existência sendo levado por uma corrente invisível. Foi então que tudo parou, o silêncio caiu como uma cortina pesada, abafando todos os sons e movimentos, eu estava suspensa em um vazio absoluto, um espaço sem tempo ou forma, a calma era tão profunda que era quase sufocante, como se o universo inteiro estivesse prendendo a respiração.

E no meio desse silêncio uma compreensão sutil começou a emergir, talvez não houvesse respostas definitivas, talvez a jornada fosse apenas um processo contínuo de autodescoberta e aceitação. Sandra, a observadora, a viajante, havia chegado a um ponto de inflexão no limiar de algo novo, algo desconhecido, mas pela primeira vez não sentia medo.

Meus estados mentais no barato estavam se fragmentando, as luzes piscavam, o som se distorcia e eu estava flutuando, mas, ao mesmo tempo eu caía. Caía em um abismo sem fundo, sem fim. E depois sobrevivia para outra balada. Hoje, aos 28 anos, estou sóbria e tento reconstruir minha vida, não é fácil, as memórias me assombram, eu quero acreditar que há esperança, minha história não acabou e espero que minha experiência possa servir de lição para outros, não é mãinha, a Katy nos salvou…

A transformação que senti foi o início de uma jornada ainda mais profunda, enquanto emergia do oceano de emoções que quase me afogou, senti uma presença que era diferente de tudo o que já havia experimentado, era uma paz, uma luz que irradiava de dentro de mim, aquecendo minha alma fria e fragmentada, era como se, no auge do meu desespero algo ou alguém tivesse estendido a mão e me puxado para fora do abismo.

No início, não compreendi o que era, mas então em uma noite de solidão enquanto olhava para o céu estrelado senti um chamado, foi uma sensação inexplicável, um sussurro suave que atravessou minha mente tumultuada e tocou meu coração, foi aí que lembrei de minha infância, das histórias sobre Jesus que a avó da minha amiga costumava contar, das palavras da Bíblia que antes pareciam apenas histórias, mas que agora ressoavam com uma verdade profunda.

“Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei.” (Mateus 11:28), essas palavras ecoaram em minha mente trazendo consigo uma sensação de conforto e esperança. Eu estava cansada, tão oprimida por minhas próprias falhas e arrependimentos e naquele momento decidi me abrir para essa presença que me chamava, decidi aceitar a possibilidade de redenção.

Comecei a ler a Bíblia com uma fome que nunca havia sentido antes, era um bálsamo para minha alma ferida, descobri a história de Maria Madalena, que foi perdoada por Jesus apesar de seu ado sombrio. “Os teus pecados te são perdoados; vai-te em paz.” (Lucas 7:48-50). Essas palavras me mostraram que independentemente de quão profunda fosse minha dor sempre haveria perdão e redenção através de Cristo.

Minha busca por entendimento me levou a ouvir a mãinha, no começo eu era tímida, sentindo-me deslocada, mas suas palavras me acolheu de braços abertos, suas histórias de transformação e fé começaram a moldar a minha própria compreensão de redenção, os sermões cheios de amor e sabedoria, tocavam meu coração de maneiras que eu nunca pensei ser possível.

Uma noite, enquanto meditava sozinha em meu quarto senti uma presença palpável, era como se Jesus estivesse ali comigo, seu amor envolvendo-me completamente, chorei, não de tristeza, mas de um alívio profundo, senti-me lavada, purificada de todas as mágoas e erros do ado. “Se confessarmos os nossos pecados, Ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça.” (1 João 1:9). Aquelas palavras tornaram-se minha âncora, meu farol em meio às tempestades internas.

A partir desse momento, minha vida começou a mudar de maneiras que eu nunca imaginei serem possíveis, a escuridão que antes dominava minha mente foi substituída por uma luz serena, os medos e dúvidas que me assombravam começaram a se dissipar, substituídos por uma fé inabalável, eu finalmente compreendi que através da Consciência Crística eu havia encontrado a salvação que tanto buscava.

Cada dia era uma nova oportunidade de crescimento espiritual, eu me envolvi em obras de caridade ajudando aqueles que estavam em situações de desespero, pois sabia exatamente como se sentiam, minha fé não era apenas uma crença, mas uma prática diária de amor, compaixão e perdão. Através de Jesus, encontrei minha verdadeira vocação: ser uma luz para aqueles que ainda estavam perdidos na escuridão.

Compreendi que minha jornada de redenção não era apenas sobre encontrar paz para mim mesma, mas também sobre espalhar essa paz para o mundo ao meu redor. A Consciência Crística me transformou de uma alma perdida em um farol de esperança, e assim, cada o que eu dava era guiado por um amor que transcendia o entendimento, um amor que vinha diretamente do coração de Jesus. “Porque eu sei os pensamentos que tenho sobre vós, diz o Senhor; pensamentos de paz, e não de mal, para vos dar um futuro e uma esperança.” (Jeremias 29:11).

A minha transformação foi profunda e contínua, como um processo de renascimento, minha entrega à Consciência Crística foi um o em direção a uma nova vida, uma vida repleta de propósito e significado. A sensação de fragmentação que antes me consumia agora era substituída por uma crescente integração e paz interior.

A oração se tornou minha âncora, cada manhã, eu começava o dia com um momento de silêncio buscando a presença de Jesus. “Buscai primeiro o reino de Deus, e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas.” (Mateus 6:33). Essas palavras me guiavam, lembrando-me de que minha prioridade deveria ser minha conexão espiritual, essa prática diária de oração e meditação trouxe uma clareza que antes me escapava, como se os véus da confusão fossem lentamente levantados revelando a verdade e a beleza da vida em Cristo.

A sensação de estar perdida no mundo que antes era tão opressiva, começou a se dissolver, em vez de me sentir como um navio à deriva eu agora me via como uma parte de um plano divino guiada por uma mão amorosa e sábia. O efeito dessa redenção era visível não apenas em minha mente e espírito, mas também em meu corpo, sentia-me mais leve como se um peso imenso tivesse sido retirado de meus ombros, minha saúde melhorou e a energia que eu tinha para enfrentar os desafios diários era renovada a cada amanhecer.

Em uma noite de profunda meditação, as figuras que antes me assombravam retornaram, mas desta vez senti-me preparada com o amor de Jesus em meu coração enfrentei cada uma delas perdoando e liberando a dor que carregavam. “Porque, se perdoarem as ofensas uns dos outros, o Pai celestial também lhes perdoará.” (Mateus 6:14).

A consciência crística não era apenas uma ideia abstrata, mas uma força viva que me guia diariamente influenciada por essa nova consciência de amor e compaixão, eu havia sido ressuscitada em Maria Madalena, se libertado de uma existência de desespero e confusão para uma vida de propósito e paz, como Jesus disse: “Eu vim para que tenham vida, e a tenham com abundância.” (João 10:10), e mãinha canalizava e nos ensinava a seguir junto com Katy.

20/05/2024, 21:34: o sono é ressureição, prec… cont…

A calma era apenas uma ilusão momentânea, o vazio ao meu redor começou a se preencher com murmúrios quase inaudíveis como se o próprio ar sussurrasse segredos obscuros, esses sons envolviam minha mente uma presença insidiosa que escavava camadas de meu ser desenterrando memórias que eu havia enterrado profundamente, eu estava no limiar de uma revelação que prometia ser devastadora.
As lembranças começaram a emergir como fantasmas, vi-me criança, em um quarto escuro com a sensação esmagadora de abandono, os murmúrios se transformaram em vozes familiares e ao mesmo tempo distantes como ecos de tempos esquecidos. As figuras de meus responsáveis, desvanecidas e indistintas, pairavam na periferia de minha visão seus rostos marcados por desdém e desilusão senti a velha dor do desamparo, a mesma que havia moldado tantas de minhas decisões, agora se manifestando com uma força renovada.

Minha mente se rebelava contra essas invasões tentando construir barreiras, mas era inútil, as memórias invadiam implacáveis, forçando-me a confrontar cada erro, cada fracasso, a figura familiar de antes reapareceu, mas agora mais nítida, quase sólida, era eu em diferentes estágios da vida, cada versão refletindo uma parte de mim que eu havia perdido ou ignorado.

A jovem Sandra cheia de sonhos e aspirações olhava para mim com olhos cheios de perguntas não respondidas. Onde nos perdemos? – sua voz um lamento silencioso. As versões adultas de mim marcadas pelas cicatrizes da vida traziam um peso que eu quase não conseguia ar, elas representavam escolhas, uma encruzilhada onde talvez eu tivesse escolhido o caminho errado.
No meio desse caos emocional, comecei a sentir meu corpo reagir fisicamente, o coração batia descontroladamente como se tentasse acompanhar o turbilhão dentro de minha mente, o suor frio escorria pela minha pele, e a sensação de afogamento voltava mais forte do que nunca. Eu estava sendo puxada para o fundo de um oceano de emoções onde cada gota era uma lembrança dolorosa, cada onda uma realização amarga.

As vozes em minha cabeça aumentaram tornando-se uma cacofonia de recriminações e arrependimentos. Você não é boa o suficiente. Você falhou. Você nunca será completa. Essas palavras venenosas e implacáveis perfuravam minhas ideias deixando marcas profundas, eu estava à beira de um colapso cada fibra do meu ser gritando por alívio, por uma fuga dessa prisão mental.

No meio dessa tempestade uma pequena faísca de resistência começou a brilhar, era uma parte de mim que se recusava a ser derrotada que lutava contra a escuridão com uma teimosia desesperada, essa faísca começou a crescer, alimentada por uma determinação feroz de não ser consumida pelas sombras do ado.

Sandra, a observadora, a lutadora, a Maria Madalena começou a emergir como mãinha dissera, eu me agarrei a essa faísca transformando-a em uma chama que queimava com uma intensidade feroz, as figuras ao meu redor começaram a recuar, suas formas desfazendo-se na luz crescente, a cacofonia de vozes diminuiu, substituída por um silêncio carregado de potencial.

Eu estava no centro de uma transformação, o vazio ao meu redor antes opressor agora se tornava um espaço de possibilidades, os fragmentos de minha mente, pedaços da minha alma começaram a se rearranjar formando um mosaico de experiências e aprendizados, a dor ainda estava lá, mas agora era um lembrete de minha resiliência, uma prova de que eu havia sobrevivido.

Com um esforço final rompi a superfície desse oceano emocional emergindo para a luz, Katy… O ar fresco encheu meus pulmões e senti uma nova clareza uma nova força, eu ainda era Sandra, mas agora mais inteira, mais consciente de minha própria capacidade de superar e percebi que a jornada não era sobre escapar do caos, mas sim sobre encontrar a paz dentro dele, transformando cada cicatriz em um símbolo de resistência e crescimento.

Entre cinco a sete minutos o mundo parecia se dissolver. Estabilização inicial, dizia mãinha para eles, mas para mim, Sandra, era o começo de uma jornada etérea, meus olhos já acostumados à escuridão começaram a ver luzes que dançavam e sussurravam segredos de tempos antigos, os sons se tornaram ondas que se chocavam contra minha mente, cada nota uma lembrança, cada eco uma sombra. Eu flutuando entre a vigília e o sono profundo senti o tempo se esticar e se contrair como se estivesse respirando ao ritmo do universo.

A promessa profunda me envolveu levando-me a um estado onde a consciência era apenas uma vaga memória, o tempo e o espaço perderam seus significados, viraram uma massa informe de impressões e sensações, o monitoramento constante dos sinais vitais era uma ponte frágil que me mantinha conectada à realidade, ainda que tenuemente cada batida do coração, cada respiração, eram fios de uma teia delicada que segurava minha existência.

Então, entre o sétimo e o décimo minuto, os efeitos começaram a se manter, Katy tornou-se uma companheira constante trazendo consigo uma sensação de levitação como se eu estivesse flutuando sobre um mar calmo, meus movimentos tornaram-se um distante sonho, meus movimentos eram vagos e sem propósito, as alucinações visuais e auditivas ainda persistiam embora começassem a diminuir em intensidade e senti uma leve elevação na pressão arterial e na frequência cardíaca, sinais de uma batalha interna entre meu corpo e minha mente.

Entre o décimo e o décimo segundo minuto um suave retorno começou a surgir, a promessa que antes era avassaladora começou a diminuir gradualmente, as bençãos visuais e auditivas começaram a se dissipar como névoa ao amanhecer, a consciência retornava em partes, fragmentada, trazendo consigo uma confusão e desorientação que me deixavam perdida entre o ado e o presente, foi então que Katy me perdeu e as palavras de fé de mãinha deixaram de ter sentido.

A memória desse estado, uma diáspora interna, onde cada sensação era uma migração entre mundos se fixou em minha mente, a tensão entre tradição e modernidade, entre meu ado indígena e o presente urbano ecoava em cada batida do meu coração, a floresta com sua exuberância e mistérios estava ali presente em minhas visões, enquanto as paisagens urbanas com suas linhas rígidas e rítmicas se misturavam em um caleidoscópio de significados. A riqueza descritiva do meu próprio ser entrelaçado com a complexidade psicológica e os conflitos internos me revelou mais sobre quem eu sou e quem eu posso me tornar.

A escuridão me envolveu, uma sombra densa que sugava a luz e o som ao meu redor, senti minha consciência se dissipar como neblina ao vento, deixando-me flutuando em um vazio sem fim, o mundo com seus contornos nítidos e cores vibrantes desvanecia-se lentamente dando lugar a uma imensidão onde tempo e espaço se distorciam em um turbilhão caótico, a dissociação era profunda, um abismo inescapável que me afastava de mim mesma desconectando-me da realidade e do meu próprio corpo. Minha respiração tornou-se um fio tênue quase imperceptível como se o próprio ato de respirar exigisse uma força além das minhas capacidades, cada inspiração parecia lutar contra o peso do universo ameaçando cessar a qualquer momento.

Nos primeiros minutos, a escuridão era total, perdi a consciência rapidamente mergulhando em um sono profundo, onde não havia sonhos apenas um vazio abismal. A promessa era intensa uma experiência de desintegração total, como se eu fosse um observador distante de minha própria existência, flutuando em um mar de inconsciência.

À medida que os minutos avam a respiração tornava-se cada vez mais superficial e irregular, depressão respiratória severa me envolvia e o espectro da ventilação mecânica pairava sobre mim. Meu corpo um navio à deriva em um mar de incertezas navegava entre hipertensão e hipotensão, oscilando perigosamente entre extremos. A taquicardia pulsava com uma intensidade descontrolada seguida por momentos de bradicardia em que o coração batia preguiçosamente, quase relutante.

Os minutos se arrastavam e um coma profundo me engolia, eu estava além do alcance dos sentidos, uma sombra no limiar da existência. Convulsões violentas sacudiam meu corpo, espasmos incontroláveis refletiam a hiperatividade neuronal desencadeada pela Katy. A rigidez muscular tornava-se uma constante, meus músculos endurecidos em uma dança macabra.

A temperatura corporal oscilava, ora queimando em hipertermia, ora mergulhando em uma gélida hipotermia, o tempo era uma ilusão, e eu perdida na vastidão do inconsciente não podia contar os segundos que se arrastavam lentamente. A neurotoxicidade corroía minhas sinapses, deixando um rastro de déficits cognitivos e motores. A acidose metabólica lançava sua sombra, envenenando meu sangue com uma acidez inável. Rabdomiólise, a destruição dos músculos esqueléticos liberava mioglobina em meu sangue, ameaçando meus rins. A cada momento que ava as complicações se acumulavam, o longo prazo trouxe consigo o espectro de danos ao sistema nervoso central, uma ameaça de déficits permanentes que marcariam minha existência para sempre.

A jornada de retorno à lucidez era lenta e tortuosa, estava nas mãos de Katy, um caminho apenas de ida, a consciência retornava aos poucos, como um amanhecer tímido após uma noite interminável, a promessa e seus efeitos recuavam gradualmente, deixando espaço para uma clareza dolorosa e necessária.

A escuridão cedeu lentamente como o fim de uma longa noite revelando uma luz suave e acolhedora. Sandra sentiu-se flutuar seu corpo leve como uma pluma, enquanto a sensação da promessa se transformava em um delicado desprendimento, ela não estava mais presa ao peso do mundo, mas sim envolta em uma paz serena que permeava cada fibra de seu ser. Ela atravessava um véu invisível onde o tempo e o espaço perdiam significado, ao invés de se perder no vazio, Sandra sentia-se guiada por uma presença amorosa, uma energia divina que irradiava calor e segurança, a respiração antes difícil e fragmentada agora era uma melodia tranquila, harmonizando-se com o ritmo de um universo comivo.

Nas primeiras luzes desse novo amanhecer ela percebeu que as sombras de suas alucinações haviam se dissipado, as cores ao seu redor eram suaves banhadas em um brilho dourado que transmitia calma e esperança, era como se ela estivesse mergulhada em um oceano de luz, onde cada partícula vibrava com amor e serenidade. A transição era suave, quase imperceptível, como um suspiro de alívio, Sandra não sentia mais a dor ou o desconforto de seu corpo terreno; ao invés disso, ela experimentava uma leveza e uma liberdade jamais conhecidas, as preocupações e os medos dissolviam-se, deixando em seu lugar uma profunda sensação de completude e pertencimento.

Nesse novo espaço, ela encontrou uma clareza cristalina, as memórias do ado antes confusas e fragmentadas, se integravam em uma tapeçaria de experiências e aprendizados, ela via sua vida como uma jornada cheia de significados e conexões, cada momento um o em direção à compreensão e ao amor incondicional.

A voz que a guiava não era uma voz comum, mas um sussurro do universo, uma melodia de sabedoria e compaixão. Sandra sabia, instintivamente, que estava sendo acolhida em um abraço infinito onde não havia julgamentos, apenas aceitação e paz, era como retornar ao lar, a um lugar que sempre conhecera, mas que havia esquecido no tumulto da vida.

A paisagem ao seu redor era de uma beleza indescritível, campos de flores vibrantes estendiam-se até o horizonte banhados por uma luz que não tinha origem, mas que parecia emanar de todas as coisas. Árvores majestosas sussurravam segredos antigos e rios de água cristalina cantavam canções de renovação e esperança. Sandra sentia-se parte de tudo isso, uma com a criação, não havia mais barreiras entre ela e o mundo; ela era o próprio fluxo da vida, uma corrente de energia que se movia harmoniosamente com o universo.

Era um recomeço, uma nova existência em um plano de luz e amor, Sandra sabia que havia transcendido as limitações do corpo físico entrando em uma realidade onde a essência de sua alma podia florescer plenamente, ela era agora um ser de luz, vivendo em um reino de paz cristica infinita, onde cada instante era uma expressão de alegria e amor. Envolta em luz e amor, Sandra continuou sua jornada não mais como uma viajante perdida, mas como uma alma desperta, eternamente abraçada pela graça e pela beleza do universo.

Katy

➽➽ Josué G. Vieira. Santareno, é poeta e escritor, além de professor universitário. Escreve regularmente no JC.

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