Parnasianismo jurídico e greve

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Réplica do professor Válber Almeida ao post Ninguém está acima da lei, do leitor que se assina Paracelso:

Tá aí um exemplo clássico de positivismo jurídico, que eu também costumo chamar de parnasianismo jurídico: a arte pela arte se desdobra em Lei pela Lei.

PRIMEIRO
É preciso considerar o teor autoritário que costuma povoar esse tipo de mentalidade jurídica. Não à toa, costumam falar em “submissão” ao “império da lei” sob pena de “punição”. De acordo com esse tipo de mentalidade, a Lei está acima de tudo -“O Direito não é absoluto”, mas a Lei é, tanto que todos devem se submeter a ela, porque ninguém está “acima da Lei e da Constituição!”.

Não cabe aqui discutir a aparente megalomania jurídica por trás dessa fraseologia. Deixo isso a cargo dos analistas.
Fora o medievalismo do absolutismo impregnado nas palavras do colega, pode-se, para tentar dar um ar de modernidade, evocar a origem desse pensamento na tese hobbesiana do hiperjudicialismo, que apregoa a idéia de que a sociedade emana do Direito, de que o Direito foi criado para impor regra, norma, razão sobre a natureza humana desregrada, anômica, irracional.

Por isso, todas as vezes que o conflito de interesses sociais extravasa em embates mais abertos e radicais, o judiciário positivista se arvora o dever de impor regra, sob pena de “punição”, utilizando como argumento a primazia do “império de lei”.

Logo, o pensamento do colega Paracelso é mais hobbesiano do que propriamente rousseauniano, como ele ingenuamente acredita. Adiante explico porque.

SEGUNDO
Evidentemente, o colega Paracelso fala de Rousseau misturando alho com bugalho. Rousseau está deslocado do contexto, mal empregado no raciocínio do colega e mal interpretado.

Antes de tudo, a visão de Direito de Rousseau é uma visão social. Não à toa, as vertentes mais democráticas, progressistas, do Direito buscam nesse autor, desde o fim do século XIX, referências para justificar a formulação dos direitos sociais.
Para Rousseau, o Estado, como entidade jurídica, e o Direito, como corpo normativo do Estado, só se justifica enquanto indutor do bem-estar social, do bem-comum. A sociedade corrompe o homem, a sociedade destrói a benevolência e a pureza do homem natural, logo, o Estado, e a Lei aí implicada, precisam corrigir os males criados pela sociedade, os males sociais, as injustiças.

Rousseau, bem no lastro da filosofia social e da sociologia sa, é um árduo defensor na liberdade e da igualdade. Para ele, a liberdade natural perdida pelo homem social só pode ser reconquistada e voltar a ser gozada de algum modo pela promoção da igualdade social. Foi exatamente o estabelecimento da desigualdade no seio da coletividade, quando alguém fincou uma cerca e disse “isso é meu”, que desencadeou, na concepção do autor, toda sorte de corrupção do espírito e todos os males sociais: pobreza, miséria, exploração, violência, criminalidade, corrupção, desigualdade.

Para Rousseau, o homem natural só é livre porque a natureza farta, abundante, não pertence a ninguém e, assim, a abundância e fartura pertence a todos: todos são livres porque todos são iguais. Do mesmo modo, para o autor, a liberdade do homem social não pode ser vivenciada sem a promoção da igualdade.

Na mentalidade positivista, a igualdade é simplesmente a igualdade perante a lei, mais uma das ideologias obscuras herdadas dessa mística setecentista.

Mas não se pode imputar essa imagem de igualdade a Rousseau, que, antes de tudo, é um pensador militante das causas sociais e humanas.

Por isso, os defensores dos direitos sociais e, mais atualmente, dos direitos humanos, transformaram a igualdade rousseauniana, já no final do século XIX, em justiça social: o Estado, o Direito, a Sociedade precisam promover a justiça social. Por esse entendimento, o Direito não pode ser visto como a letra morta: o Direito é processo, é titularidade, desfrute e vivência prática de garantias e benefícios que promovam o bem estar, o bem comum, a cidadania e a dignidade.

TERCEIRO (E POR FIM)
Do que foi posto, segue que falar em Estado de Direito não é falar em Estado onde prevalece o “império da lei”. Estão ensinando errado os nossos jovens nas universidades de Direito. Estado de direito é um Estado onde todos desfrutam efetivamente de direitos, insisto, insumos práticos de cidadania e dignidade.

Não se pode dizer que se vive em “Estado Democrático de Direito” onde reina a pobreza, a miséria, a desigualdade, a injustiça e a superexploração, porque todos esses males sociais denunciam exatamente a ausência de Direito.
Direito é promoção de cidadania e dignidade, é processo. A letra da Lei, assim como os princípios jurídicos, servem de insumo potencial de promoção da justiça no processo histórico.

Quando o Direito deixa de promover justiça ele se torna, simplesmente, tirania, porque se converte em instrumento de dominação, de exploração e de manutenção dos males sociais e humanos.

É possível compreender a corrupção e desvirtuação do Direito na sua aplicação quando consideramos o agente jurídico como ser social, imbuído de interesses, valores e visões de classe e particulares. Mas esse irracionalismo não pode se tornar regra de interpretação da Lei nem se tornar regra escrita, porque o conhecimento racional precisa zelar pelo aprimoramento e não pelo desvirtuamento do espírito humano, na esperança de que um dia este pensamento se incorpore à materialidade da vida e se converta em ação, para o bem da humanidade.


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5 Responses to Parnasianismo jurídico e greve

  • É o tal de Chiquinho Correa gosto mesmo e não nego gosto de cultura, gosto de informação, (amo bater e matar), respeito quem me respeita, inclusive gostaria de te encontrar… poderiamos conversar melhor, qualquer m fala o que quer por tras de um telefone ou de um email. Expus meu pensamento e se tu ficaste ofendidinho problema é teu, soca as tuas opiniões. Pq tu és amiguinho do dono do blog achas q/ é melhor do q/ alguém! P/ mim aqueles ébrios q/ vivem na sargeta jogados a sorte tem mais conteudo do q/ tu, q/ provavelmente deves estar senil . Gosto tanto de informação daqui , dos arredores daqui, do PA, do Mundo, o este blog, pq tem uns outros q/ são demais tendenciosos. O blogueiro deste tem critério, seleciona e sabe q/ vivemos numa democracia, logo qm da tbm recebe. Me sintiria muito mal se não tivesse assistido ao Oscar, o Discurso do Rei recebeu merecidamente o prêmio. O Fantástico as vezes fica meio ensoso mas o assito DIRETO. Quem quiser ser meu amigo ótimo mas tbm quem não quiser respeito, até iro e espero a 1ª oportunidade p/ demosntrar… o qto “sou bom”.

  • Textos bacanas, demonstram o q/ seus autores queriam expor: sapiência. Eu simplesmente vejo que realmente “Ninguém está acima da lei” e ‘Todos são iguais perante a lei’ , teorias e filosofias que um estudioso nato poderia dizer: o Brasil é um Estado Democrático, logo , no tema , as leis são p/ serem cumpridas, servem inclusive p/ dar segurança jurídica a todos, proteger do arbítrio do pp Estado… o legislador faz as leis e o Estado cumpre. Juiz não legisla pelo menos essa não é função típica dele Uma sentença válida deve ser cumprida sob pena de ferir um dos principais pilares do nosso sitema, e gerar crime que obrigara o Estado a se defender perante a desobediência, tomando medidas mais extremas.
    Estou assistindo o Fantástico e depois assistirei o Oscar p/ ver qm leva a estatueta este ano.
    Esse negócio de ficar filosofando, discutindo teorias disso e daquilo da doutrina e jurisprudência, isso me encanta mas quando participo de encontros e congressos , principalmente da minha seara.

    1. Um debate democrático, onde a cidadania é exercitada para quem escreve e acrescenta o conhecimento para quem ler. Deixar isso para encontros e congressos é negar ao povo o direito da informação e participação. Mas fazer o que? Para quem prefere o fantástico e o Oscar, paciência né.

  • Vamos devanear…., suponhamos que, não exista a ordem, nem a lei, nem o direito, so a vontade dos homens, simples assim, sem ninguem, nem nada regulando as relaçoes humanas, onde tudo e permitido, e se valem os mais forte da força, e os mais fracos da submissão.

    Vamos continuar supondo que os homens resolvam seus conflitos com o uso da forca fisica, pura e simplesmente, teriamos o caos, ou teriamos uma nova ordem?

    Entendo que o estado democratico de direito, é o que faz exatamente as coisas serem o que são, ao contrario, viveriamos a imposicao das vontades, onde as greves, em vez de ser defesa de interesse de classe, fosse usada como meio de imposicao de reivindicao? (eu imponho e reivindico ao mesmo tempo), nesse caso, a reivindicacao justa dos professores, e a imposicao de uma situacao anormal ao alunado (deixar aluno sem aula, não e intetigente).

    Entendo que a decisão do juizo monocratico, se certa ou não, deve ser respeitada, e guerreada via judicial, que é o caminho mais adquado para a soluyção desta situação. “Estado de direito é um Estado onde todos desfrutam efetivamente de direitos, insisto, insumos práticos de cidadania e dignidade”, (…), não podemos esquecer que num estado digno, TODOS SÃO IGUAIS PERANTE A LEI….

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